Nos anos 1950, a Europa ainda sentia os reflexos da Segunda Guerra Mundial. O continente enfrentava escassez de combustível, infraestrutura precária e uma população em busca de alternativas acessíveis para se locomover. Na Alemanha, a BMW atravessava uma fase crítica: seus luxuosos sedãs vendiam pouco, e a produção de motocicletas não era suficiente para sustentar a empresa. A solução inesperada veio na forma de um carro minúsculo, mas extremamente eficiente, o Isetta.
O Isetta nasceu na Itália, em 1953, idealizado por Ermenegildo Preti e Pierluigi Raggi, engenheiros da Iso Rivolta. O modelo chamou a atenção pela porta única frontal, que mais lembrava uma porta de geladeira, teto de lona, motor de 236 cc e consumo impressionante de cerca de 25 km/l. Apresentada no Salão de Turim, sua proposta era clara: oferecer mobilidade acessível e prática em tempos de escassez.
A BMW, então, visualizou uma oportunidade vital. Em 1954, licenciou o projeto da Isetta e comprou toda a estrutura da versão italiana. O microcarro foi redesenhado na Alemanha e, em 1955, lançado com motor de 247 cc desenvolvido pela própria BMW. Com velocidade máxima de cerca de 85 km/h e consumo de apenas 3 litros a cada 100 km, tornou-se uma opção incrivelmente eficiente.
Sucesso da "motocupê"
Batizada de "motocupê", a Isetta custava 2.550 marcos alemães — um valor muito abaixo dos carros tradicionais da época. Para dirigir o modelo, bastava ter habilitação para motocicletas, o que ampliava ainda mais seu apelo popular. Entre 1955 e 1962, mais de 161 mil unidades foram produzidas, tornando-se o automóvel de motor único mais vendido da história.
Esteticamente, a Isetta era um marco. Seu formato arredondado e design "bubble car" a tornavam inconfundível. O volante articulado se movia junto com a porta frontal, facilitando o acesso ao interior. As janelas deslizantes e o teto solar de lona, que também servia como saída de emergência, reforçavam sua abordagem funcional e criativa.
Em 1956, a BMW lançou uma versão com motor de 300 cc, que oferecia mais torque sem sacrificar a economia. A Isetta continuou cumprindo bem seu papel nas cidades e em viagens curtas. Há inclusive registros do microcarro participando da Mille Miglia em 1954, onde, ainda sob o selo Iso, conquistou o pódio em sua categoria.
Além da Alemanha: versões globais
O sucesso da Isetta ultrapassou fronteiras. No Brasil, foi produzida entre 1956 e 1961 pela Romi, em Santa Bárbara d'Oeste (SP), com cerca de 3.000 unidades fabricadas. Na França, a Velam produziu aproximadamente 5.000 unidades, enquanto no Reino Unido, a Isetta foi adaptada com três rodas e volante do lado direito, somando-se às vantagens fiscais locais.
A renda gerada pelas vendas da Isetta foi crucial para a sobrevivência da BMW. Com as finanças estabilizadas, a marca pôde investir em novos projetos, culminando na criação da linha Neue Klasse — um divisor de águas para a montadora, que pavimentou o caminho para os modelos premium que conhecemos hoje.
O legado da Isetta se expandiu com o BMW 600, uma versão alongada para quatro passageiros com motor de 582 cc, lançada em 1957. Embora tenha vendido cerca de 35.000 unidades, o modelo não repetiu o sucesso do original. Ainda assim, ajudou a consolidar o conceito de mobilidade compacta e econômica.
Nas últimas décadas, a Isetta voltou aos holofotes como símbolo de inovação e charme vintage. No BMW World, em Munique, um modelo convertido em elétrico mostra que sua proposta ainda faz sentido. E a startup suíça Microlino reviveu a ideia com um veículo elétrico inspirado no design original: compacto, leve e perfeito para o trânsito urbano.
O que fez da Isetta um marco histórico? Em primeiro lugar, o contexto. Em um período de crise, ela ofereceu uma solução funcional, barata e eficiente. Seu design engenhoso, aliado à acessibilidade e à economia de combustível, provou que é possível inovar com simplicidade. E mais do que salvar a BMW, a Isetta redefiniu o que significava ter um carro: não luxo, mas liberdade.
Olhar para a Isetta é entender como criatividade, design inteligente e eficiência podem, literalmente, mudar o rumo de uma empresa. E talvez também inspirar o futuro da mobilidade urbana, onde menos é mais, e pequenos veículos continuam a abrir grandes caminhos.
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