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Mordomias no carro: uma obrigação ou somos preguiçosos?

Os automóveis evoluíram e trouxeram uma série de itens de conforto, que quando não são oferecidos geram certo descontentamento. Mas será que vivemos sem eles?

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Bancos com ajustes elétricos eram mais comuns nos modelos de luxo, porém, atualmente, alguns ficam devendo
Bancos com ajustes elétricos eram mais comuns nos modelos de luxo, porém, atualmente, alguns ficam devendo Foto: Bancos com ajustes elétricos eram mais comuns nos modelos de luxo, porém, atualmente, alguns ficam devendo

A indústria automotiva não mede esforços e dinheiro para desenvolver sistemas que facilitam a vida dos usuários no interior dos automóveis. São as chamadas mordomias no carro, que foram evoluindo com o passar dos anos e atualmente chegam ao requinte da massagem para aliviar o estresse do motorista enquanto dirige. Porém, muitos dos recursos vieram para confirmar que o ser humano está cada vez mais mal acostumado e preguiçoso, pois já não se conforma em fazer coisas que no passado eram consideradas normais.

Até o início dos anos 1980, vidros com comandos elétricos e travas elétricas nas portas eram itens encontrados em modelos importados. Os carros fabricados no Brasil usavam a velha e boa manivela para abrir e fechar os vidros. As travas das portas eram operadas manualmente e ninguém sofria por causa disso. Atualmente, praticamente não existe um carro que não tenha travas e vidros elétricos.

console central de modelo peugeot com comando dos vidros eletricos e freio de estacionamento
Os comandos dos vidros elétricos são instalados em diferentes lugares e a alavanca do freio de estacionamento está com os dias contados

Girar uma simples manivela para abrir ou fechar o vidro virou um absurdo, um gasto de energia desnecessário. Essas mordomias no carro talvez vieram para confirmar que estamos cada vez mais preguiçosos e entregues ao sedentarismo. E a Organização Mundial da Saúde (OMS) comprova que o ser humano não anda muito disposto a fazer esforço físico.

De acordo com a OMS, a atividade física regular previne doenças cardíacas, acidentes vasculares cerebrais, diabetes e câncer de mama e de colo do útero. Essas doenças são responsáveis por 71% de todas as mortes no mundo, incluindo as mortes de 15 milhões de pessoas por ano entre 30 e 70 anos.

Não menos grave é saber que o sedentarismo e a falta de atividade física geram custos financeiros significativos. Ainda de acordo com a OMS, estima-se que no mundo “a inatividade física custe US$ 54 bilhões em assistência médica direta, dos quais 57% são incorridos pelo setor público e outros US$ 14 bilhões são atribuídos à perda de produtividade”.

Aí você se pega reclamando da falta das mordomias no carro, pois já não se conforma em girar a manivela para fechar o vidro e até mesmo puxar a alavanca do freio de estacionamento, que vem sendo substituída pelo sistema eletrônico.

Recentemente, ao testar um carro elétrico moderno, com preço sugerido de R$ 280 mil, repleto de tecnologias para conforto e segurança, me deparei com um fato que causou estranheza. O modelo de quase R$ 300 mil não traz os ajustes elétricos para o banco do motorista, muito menos para o do passageiro.

A montadora pode até alegar que economizou nas mordomias do carro para evitar gasto desnecessário de energia, que pode fazer falta em um modelo elétrico. Mas vale lembrar que ninguém fica mudando as posições do banco a todo momento e, para um carro desse valor, os comandos elétricos para os assentos dianteiros são quase que obrigatórios.

vidro manual com manivela na porta traseira do renault kwid estatico no estudio
A velha e boa manivela do vidro manual ainda resiste em alguns poucos modelos

Por outro lado, não há problema algum em fazer o ajuste manual do banco. É uma operação que o motorista geralmente faz uma vez e simplesmente esquece. A menos que o carro seja compartilhado. Mas, mesmo assim, o esforço físico que se faz para ajustar o banco manualmente não vai deixar ninguém mais cansado ou com uma lesão muscular, já que a operação é simples e rápida.

Tais fatos nos fazem pensar nos dois lados da moeda e levantam um questionamento. As mordomias no carro já viraram direito adquirido em decorrência dos valores que os automóveis atingiram ou poderíamos facilmente viver sem elas, pagando preços mais baixos pelos veículos?

Para muitos, as mordomias no carro são um caminho sem volta e a indústria automotiva sabe disso. Os carros autônomos estão aí para comprovar que a ideia no futuro próximo é entrar no automóvel, dizer para onde deseja ir, fazer os ajustes necessários com comando de voz e simplesmente seguir. Com o mínimo de esforço físico possível.

Isso é bom para a indústria, que encontra argumentos para subir cada vez mais os preços dos seus modelos. Bom para o consumidor que deseja conforto ao extremo e não se importa em pagar por isso. Mas fica a reflexão sobre onde chegaremos se seguirmos cegamente o caminho da automação com as diversas mordomias no carro. Tomara que tenhamos a consciência de que a falta de esforço proporcionada pelo automóvel moderno pode ser compensada por uma boa caminhada, uma volta de bicicleta ou até mesmo alguns minutos de dedicação à musculação.

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