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soco no meio ambiente

Carro elétrico: o problema e a hipocrisia que ninguém conta

Elétricos prometem ser limpos, mas escondem na produção

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Mão segurando bomba de gasolina amarela e outra mão segurando carregador elétrico branco com carros amarelos e verdes ao fundo e céu azul
Mão segurando bomba de gasolina amarela e outra mão segurando carregador elétrico branco com carros amarelos e verdes ao fundo e céu azul Foto: Getty Images/iStockphoto

Todo mundo já ouviu o discurso que diz que o carro elétrico é o futuro, não polui, salva o planeta. Mas tem um lado que ninguém conta direito. A ideia é boa, você roda sem escapamento soltando fumaça –, mas produzir um elétrico, especialmente a bateria, é um soco no meio ambiente.

Primeiro, a produção. O carro elétrico é limpo na rua, mas a bateria dele é um pesadelo para fabricar. Fazer um carro elétrico libera mais carbono que um carro a gasolina ou diesel por causa da bateria. 

Pesquisadores holandeses da Universidade de Tecnologia de Eindhoven, Auke Hoekstra e Maarten Steinbuch, estudaram isso em 2017 e 2019. Eles calcularam que cada kWh de bateria emite entre 87 e 175 kg de CO2, dependendo da energia usada na produção. 

Na média, são 114,5 kg por kWh. Um Nissan Leaf com bateria de 62 kWh, por exemplo, solta 7,06 toneladas de CO2 só para fabricar a bateria. Some o resto do carro, como chassis, eletrônicos, uns 4 a 5 toneladas, e o total chega a umas 13 a 15 toneladas, isso depende do tamanho e peso do carro, já que esse número pode subir muito mais, como iremos mostrar. 

Um carro a combustão equivalente fica entre 6 e 9 toneladas, segundo as estimativas do Argonne National Laboratory e da Transport & Environment. Claro, isso depende do tamanho do veículo, já que se trata dos materiais utilizados, como aço, alumínio, plásticos, entre outros. 

Mesmo assim, a diferença é quase o dobro para as emissões do elétrico, e a bateria é a grande vilã nisso. Extrair lítio e cobalto, os principais ingredientes, exige mineração pesada. No Chile e na Bolívia, por exemplo, gasta 2,1 milhões de litros de água por tonelada de lítio – isso dá pra encher uma piscina olímpica, fora a energia. 

Um estudo da Volvo (que considerou toda a vida útil do carro), de 2021, mostrou que fazer um elétrico como o XC40 Recharge emite 70% mais carbono que o modelo a combustão. E se a energia para carregar vem de carvão ou gás, como na China (60% da matriz), a poluição só muda de lugar, saindo do escapamento e indo para a chaminé. 

No Brasil, com 83% de energia renovável (hidrelétricas), até que melhora, mas a produção da bateria ainda pesa, principalmente na Europa. É como fosse varrer a sujeira para debaixo do tapete.

Principais lançamentos do setor automotivo de 2023
BYD Dolphin Foto: Jorge Lopes/EM/D.A Press

Vamos pegar outro exemplo, como a bateria do BYD Dolphin, carro vendido no Brasil por R$ 159.800, tem 44,9 kWh. Fazendo a conta com 150 kg de CO2 por kWh, são 6.735 kg de CO2 só pra bateria, ou seja, quase 7 toneladas. 

Isso é mais que o total de emissões para produzir um carro a combustão inteiro. Um Tesla Model 3, com bateria de 75 kWh, chega fácil a 11.250 kg de CO2 (ou 11,25 toneladas) só na bateria, usando a mesma média, sem contar a montagem do carro.

Vamos comprar, qual polui mais, entre o a combustão e o elétrico? 

Um carro a combustão tem motor, câmbio, tanque e escapamento, mas não precisa de uma bateria gigante. Porém não há bateria, o que diminui muito na hora das emissões de CO2. Mas isso também depende muito do peso e tamanho do carro e da eficiência da fábrica.

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Volvo XC40 Pure Electric, primeiro 100% elétrico da marca Foto: Volvo XC40 Pure Electric, primeiro 100% elétrico da marca, chega ao Brasil

E é aí que entra aquela pesquisa da Volvo citada, realizada em 2021, que comparou dois carros semelhantes para divulgar qual mais polui em sua produção. De acordo com a marca sueca, a fabricação só do XC40 T5, SUV a combustão, que foi vendido no Brasil, emite 14 toneladas de CO2 na atmosfera, enquanto a de um XC40 Recharge chega a 24 toneladas, sendo 7 toneladas somente pela produção das baterias.

 

Por que a bateria polui tanto?

A bateria de um elétrico, tipo as de íon-lítio, exige minerais raros: lítio, cobalto, níquel e grafite. Extrair isso dá um caos ambiental. Na República Democrática do Congo, onde vem 60% do cobalto mundial, segundo o site alemão Deutsche Welle, a mineração solta resíduos tóxicos que poluem rios e matam a fauna. E 40% do impacto climático da bateria vem dessa etapa de mineração e refino.

A charge mostra um carro a diesel soltando fumaça, com o motorista dizendo "me sinto tão sujo". Abaixo, o mesmo carro, agora elétrico, ligado a uma tomada com uma usina fumegante ao fundo, e ele fala "me sinto tão limpo

Depois, tem a energia para fabricar. A maioria das baterias sai da China, onde 60% da eletricidade vem de carvão. Processar os minerais e montar as células exige fornos quentes e máquinas pesadas, tudo queimando energia suja. 

Quanto tempo um elétrico leva pra compensar a produção?

O carro elétrico polui mais pra ser feito, mas compensa quando roda, se a energia for limpa. Vamos pegar a média do Brasil, onde o brasileiro roda em média 12 mil km por ano, segundo a KBB. Uma Fiat Strada 1.3, líder de vendas, tem média de consumo de 11,7 km/l, vamos jogar para  12 km/l no etanol e gasolina, seja cidade ou estrada (dados Inmetro). 

Cada litro queimado solta 2,3 kg de CO2, então por km são 191 g. Em 12 mil km, ele usa 1.000 litros e emite 2.300 kg de CO2, ou seja, 2,3 toneladas por ano.

Agora, o elétrico. O BYD Dolphin emite 50 g de CO2 por km na produção de eletricidade, já que ele não emite nada enquanto roda, já que a energia não é 100% limpa, mesmo com 83% vindo de hidrelétricas, segundo o Ministério de Minas e Energia. 

Em 12 mil km, são 600 kg por ano. A diferença para o combustão é de 145 g/km. A bateria do Dolphin, de 44,9 kWh, tomando em conta a média 6,7 toneladas de CO2 para ser feita, 5 toneladas a mais que um Strada.

O próprio tempo pode ser um fator determinante na degradação das baterias
O próprio tempo pode ser um fator determinante na degradação das baterias Foto: Divulgação: BYD

Ou seja, para compensar a emissão aqui no Brasil, cerca de menos de 3 anos para compensar as emissões de CO2 para ter um carro elétrico. Um Tesla Model 3, com 11 toneladas a mais na fabricação, levaria uns 6 anos para compensar, por exemplo. Se o combustão for mais econômico, a diferença cai para 114 g/km, e o Dolphin demora 3,6 anos. Depende do carro, mas com 12 mil km por ano, a média no Brasil é essa: 3 a 6 anos para elétrico compensar.

Não é só CO2. Minerar lítio no Chile seca aquíferos e deixa comunidades sem água. Cobalto no Congo polui rios com metais pesados. Fabricar um carro a combustão também polui, mas o impacto é menor: a gasolina vem de petróleo, que já tem infraestrutura pronta, enquanto baterias exigem mineração nova e intensiva.

Produzir um elétrico polui mais, sim, entre 50% e 100% mais CO2 que um combustão, dependendo da bateria e da energia usada. Uma bateria de 60 kWh, comum em modelos médios, pode emitir 9 toneladas de CO2 sozinha, contra 7 toneladas de um carro a gasolina inteiro. Mas, depois de uns 24 mil a 50 mil km, o elétrico compensa mais por não emitir poluentes, desde que a energia venha de fontes limpas. 

No Brasil, com hidrelétricas, isso acontece rápido. O problema é o “antes”: a mineração e a energia suja na produção mostram que o elétrico não é tão santo quanto parece.