UAI

Trânsito é obrigação de todos

Coordenador de programa de redução de acidentes fala dos erros e acertos do CTB

Publicidade
Foto:

O Programa de Redução de Acidentes de Trânsito (Pare) foi criado em 2 de julho de 1993, pelo Ministério dos Transportes, para tentar diminuir a violência nas estradas do Brasil. Diversas coordenações estaduais foram criadas, sendo a responsabilidade por sua execução, em Minas Gerais, atribuída à Federação das Empresas de Transporte de Passageiros (Fetram), presidida por Waldemar Araújo, também coordenador do Pare e do Sest/Senat no estado. Em entrevista ao Veículos, ele fala sobre a necessidade de se investir na educação para o trânsito e comenta erros e acertos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), de setembro de 1997, e em vigor desde janeiro de 1998.

Como funciona o Pare?
Num primeiro momento, era voltado para prevenir acidentes nas estradas. Logo, buscamos parceiros: Detran, Departamento de Estradas de Rodagem (DER), polícias rodoviárias Estadual e Federal, Dnit e o Sest-Senat, que já trabalhava com o aperfeiçoamento de motoristas. Já a partir das primeiras ações, percebemos que não era possível separar as vias urbanas das estradas. Tínhamos que trabalhar com acidentes de trânsito de maneira geral. Depois foram criados alguns programas regionais: em Uberlândia, Uberaba, Montes Claros, Sete Lagos, João Monlevade, Governador Valadares e Pouso Alegre. A partir daí, envolvemos os órgãos de trânsito municipais, de cada uma dessas cidades. Do Pare de Belo Horizonte, que é o estadual, fazem parte BHTrans, TransBetim e TransCon. Então começamos a levar o trabalho às escolas. Envolvemos faculdades, como a Newton Paiva, que criou o Núcleo de Humanização para o Trânsito. E depois os profissionais das áreas de socorro: Corpo de Bombeiros e Liga Mineira do Trauma.

O Pare é anterior ao CTB?
Sim e trabalhamos intensivamente para a sanção do código. Na época, fizemos trabalhos de educação, campanhas, levamos o tema às escolas. Um exemplo de nossa atuação foi com relação à obrigatoriedade do uso do cinto de segurança. Quando se tornou obrigatório (em Belo Horizonte, lei municipal estabeleceu a obrigatoriedade antes do CTB, que depois caiu), foi um choque, uma mudança de costume. Então iniciamos campanhas focando a importância do cinto e não com relação à obrigatoriedade. Também antes do CTB, acho que em 1996, houve a Chama pela Paz no Trânsito, que saiu de Porto Alegre e foi até Brasília, passando por várias cidades. Onde passava, havia organização de eventos. Aproveitamos para promover a conscientização e colher assinaturas para a promulgação do CTB.

Waldemar Araújo


Qual foi o resultado imediato do CTB? Você concorda que houve redução inicial de acidentes?
Sim, houve essa redução. Houve obediência grande em relação à legislação, grande respeito ao CTB. As pessoas temiam as multas pesadas, temiam perder a carteira. Mas, com o tempo, não foi bem o que deveria ser. A pontuação não era computada, as carteiras não eram suspensas ou cassadas, tudo dependia de convênio entre os estados, e os acidentes foram aumentando de novo.

Durante quanto tempo houve essa redução?
Acho que por uns quatro anos, mas já havendo um aumento gradativo do número de acidentes. Porém é preciso analisar uma coisa. Muito se fala que Minas tem o maior índice de acidentes e realmente são números absurdos. Isso se deve a alguns fatores, como o aumento do número de veículos. Se formos avaliar proporcionalmente ao crescimento da frota, o número de acidentes continua caindo e de mortes também, mas é claro que está longe do aceitável que, aliás, tem que ser zero. Outro fator é a impunidade. As polícias não estavam preparadas, o CTB proibiu muito, mas não havia contrapartida na fiscalização. Culturalmente, o trânsito precisa da presença do ser humano ou de equipamentos, como radares, para inibir as infrações. Tanto que, próximo às lombadas eletrônicas, as pessoas reduzem a velocidade. É a importância da presença, sejam agentes ou radares.

O motorista brasileiro é infrator contumaz?
O número de infratores é pequeno, em relação à quantidade de condutores, mas o problema é que o mesmo motorista comete muitas infrações. Há um número pequeno de infratores, mas um número grande de infrações. E os acidentes acontecem muito mais em função de imprudência do que da qualidade dos veículos ou das vias (que também não ajudam muito). Pesquisas das polícias mostram que cerca de 90% dos acidentes ocorrem por imprudência, enquanto qualidade das vias e dos veículos, juntos, respondem pelos outros 10%. E é claro que esses fatores acabam decorrendo também do motorista que, diante de estradas malconservadas, deve ter mais atenção, assim como dar manutenção adequada ao veículo. Ou seja, tudo depende de conscientização. A solução é só uma: educação. Não tem outra.

Ainda com relação ao aumento de acidentes depois do CTB: a sanha arrecadadora das autoridades também contribui para o descrédito da população?
Com certeza. Há influência direta. A sociedade quer ver o exemplo.

A educação é princípio básico do CTB e até hoje não alcança o efeito desejado. Que outras ações o Pare faz, nesse sentido?
A educação é um projeto de longo prazo. Tem que começar no ensino básico até chegar ao superior. Temos vários comandos que envolvem crianças e a terceira idade. E há uma coisa importante: convênios da Secretaria de Estado da Educação em que os educadores são envolvidos para levar à sala de aula o tema trânsito, usado em todas as disciplinas. A secretaria abraçou essa questão e, num primeiro momento, todas as escolas estaduais foram envolvidas; hoje também as municipais fazem parte. Também tentamos envolver as particulares, convidando-as a participar. A idéia é disseminar a cultura da educação de trânsito, começando pelas escolas até chegar a todo o povo. O trânsito é responsabilidade de todos. É um exercício de cidadania. Num só dia, você pode ser condutor, passageiro, pedestre, ciclista, motociclista. É preciso ver o trânsito como um todo. E o CTB conseguiu falar disso ao instituir obrigações para o pedestre.

O que não funcionou…
Sim, não funcionou. Mas devido à impunidade que já comentei e também pela dificuldade de se punir o pedestre. É um trabalho que exige mais e acabam priorizando o que é mais fácil. Mas algumas cidades disciplinaram isso, de certa forma, como Brasília, onde as faixas de pedestre funcionam. De novo, é uma questão de educação.

Na sua opinião, o que deu certo no CTB e o que não deu certo?
Acho que deu certo no sentido de que é muito claro na discriminação das responsabilidades até do órgão gerenciador, na determinação da sinalização adequada, nas especificações das vias. Também nos valores das multas. Isso foi positivo, para inibir infrações, assim como a questão da pontuação e suspensão da carteira. O problema é o que não funciona. Como a questão de valores do seguro obrigatório e IPVA irem para a educação, a questão do pedestre, que já comentamos, o investimento nas escolas. Também a integração dos municípios para o controle das multas, que só agora está ocorrendo e, mesmo assim, ainda não está 100%. Também acho que é preciso resolver a questão do bafômetro. Tem que ser obrigatório, como em vários países do mundo. É fundamental até para futura punição pelo Poder Judiciário. E, com relação às punições, acho que os envolvidos em acidentes, com vítimas, em vez de pagar cestas básicas, deveriam ficar algum tempo trabalhando no socorro às vítimas de acidentes, para sentir o que é a realidade de dirigir bêbado e matar três, quatro pessoas.