Eles não têm visão além do alcance, muito menos são dotados de superforça. Voar, então, nem pensar. Talvez por isso mesmo os heróis que estrelam este Rolimã são todos mestres do volante, verdadeiros supermotoristas. Embora sejam figurinhas fáceis nos filmes de ação, os motoristas de fuga e os dublês raramente são alçados aos papéis principais, com breves exceções nos anos 1970. Mas isso tem mudado nos últimos anos. Reunimos uma galeria de tipos recentes em filmes pós-2000, mas abrimos apenas uma exceção para um veterano que influenciou quase todos.
CANNES
As histórias sobre marginais volta e meia fazem a cabeça do júri e público do Festival de Cannes. E não foi diferente no ano passado, quando o filme norte-americano Drive saiu do festival laureado com o prêmio de Melhor Direção para Nicolas Winding Refn. O diretor dinamarquês nasceu em 1970 e, talvez por ter sido adolescente nos anos 1980, fez referências ao período até na escolha da canção-tema, Real hero (College com Electric Youth) e nos créditos em rosa. O herói (ou anti-herói) também é à moda antiga: o personagem de Ryan Gosling jamais informa seu nome, não é de muitas palavras e, além de ser dublê durante o dia, ganha um bom troco como motorista de fuga à noite. E, como não poderia deixar de ser, tem um coração de mocinho (ou quase). Em comum com outros motoristas de fuga do cinema, acerta suas regras antes da ação (dar cinco minutos de tempo para o roubo, nunca pegar em armas, entre outras).
AMERICANISTA
No dia a dia, o herói roda relaxadamente em seu Chevrolet Chevelle Malibu 1973 ou fica na rotina de dublê/piloto. Em casa, nem pensar. O negócio é estar atrás do volante, seja de um discreto Chevrolet Impala 2006, usado por ser o “carro mais popular da Califórnia”, ou de um Ford Mustang GT 5.0. No final, os muscle cars são a preferência da maioria dos motoristas desse Rolimã. Parece que todos aprenderam com o grande Kowalski.
FONTE UNIVERSAL
Kowalski não é mais um dublê ou motorista de fuga. O protagonista de Corrida contra o destino, de 1970, é um entregador de carros que parte de Denver, no Colorado, ao volante de um Dodge Challenger R/T 440. A missão: correr os quase dois mil quilômetros até São Francisco, Califórnia, em 15 horas – sendo que o prazo de entrega era folgado. Aqui não teve espaço para a desculpa de “estou correndo porque criminosos estão ameaçando minha família”. Balela. O que Kowalski não consegue largar é a velocidade. O filme é um festival de perseguições coreografadas pelo saudoso dublê Carey Loftin, que fez Encurralado (1971), Bullit (1968), entre outros, incluindo Se meu Fusca falasse (68).
LEGADO
Corrida contra o destino é ligado às estradas até no título original, Vanishing point, ou ponto de fuga, que descreve a direção em que as linhas de um objeto convergem e se unem, como acontece nas estradas, sempre indicando a curva que vem adiante. Após toda uma filosofia de hippies e easy riders, os anos 1970 começaram mostrando que eram mais pauleira até nas estradas. O filme fez (e faz) tanto sucesso que gerou até um remake de 1997, com Viggo Mortensen, lançado diretamente na televisão. Muito mais interessantes são os filmes que foram inspirados por ele.
MIKE, O DUBLÊ
Parte do especial Grindhouse (que saiu nos cinemas americanos junto com Planeta Terror, de Robert Rodriguez), o filme conta a história de Mike, o dublê (Stuntman Mike), interpretado com todas as cores por Kurt Russel. Se no início do filme o perverso dublê dirige um Chevrolet Nova, logo depois parte para um carrão típico de vilão: um Dodge Charger que, se algum dia foi associado aos mocinhos após Bullit, foi só por conta da série Os gatões (1979).
DUELO
Ciente do mito, Tarantino bolou uma perseguição a que todos adorariam ter assistido entre o Charger e um Challenger, que, aliás, não é branco à toa. O alvo cupê 440 R/T é igualzinho ao do Kowalski e é justamente isso que chama a atenção de um grupo de garotas transloucadas – olha que elas se locomovem em um não menos charmoso Ford Mustang 1972. Demorou para o diretor fazer a sua estreia nos rachas do asfalto. Mas que estreia.
ESTEREÓTIPO
Alguns filmes são pontuados por referências a Corrida contra o destino. É o caso de Uma saída de mestre (The italian job), a refilmagem de 2003. Em uma gangue em que cada um tem sua especialização, o especialista em veículos é feito por Jason Statham, que encarna o papel do vaidoso Handsome Rob, ou Rob Bonitão. O personagem é daqueles que nem dão bola para patrulhas, e certa vez partiu de Los Angeles sem destino com a única missão de gerar a maior perseguição policial da história. Lembra ou não a história de Kowalski? Só que Rob recebeu 110 cartas de amor na prisão. Ah, esses motoristas de fuga...
LOROTA
Statham, aliás, é o motorista-profissional em pessoa. O ator britânico, que arrebata multidões no estilo "estou careca de saber que sou o máximo", encarnou um ano antes o papel de Frank Martin em Carga explosiva. O título em inglês é funcional: The transporter (O transportador). O calculista Martin (que dá como perdida uma fuga apenas pelo sobrepeso não calculado) tem como montaria um BMW Série 7, logo substituído em outro acordo comercial pelo Audi A8 nos demais filmes da série produzida por Luc Besson – o mesmo que produziu o amalucado Táxi , de 1998. A figura do motorista de fuga também está em alta na literatura. Além do livro homônimo que inspirou o filme Drive, de James Sallis, são destaques The getaway man de Andrew Vachss e The wheelman, de Duane Swierczynski, autores americanos que mostram que o apelo dos motoristas de fuga está longe de arrefecer.