Não obter, em seu próprio automóvel, os números de consumo divulgados pelas montadoras pode parecer óbvio para alguns; para outros, no entanto, vira “bíblia”, o que já motivou, inclusive, representações em Procons contra fabricantes que divulgaram dados que não foram obtidos no dia a dia. Por esse motivo, alguns já pararam de informar os dados relativos a seus modelos. A explicação está no ensaio de consumo realizado pelas empresas, em condições ideais e por consequência, impossível de se conseguir na prática.
Os procedimentos de ensaio de consumo no Brasil foram adotados no início da década de 1980, tendo como base normas americanas. Depois de alguns aperfeiçoamentos, e sob regulamentação da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), atualmente regem os testes as normas NBR 6601:2005 e 7024:2010. A pedido do caderno Vrum, quem as detalha é o coordenador da comissão de emissões de veículos leves da ABNT, Astor Vieira da Silva Filho.
Os ensaios são realizados em laboratório com o veículo sobre um dinamômetro de chassi onde são simulados a rodagem e os atritos do veículo com a via, tanto na avaliação de consumo em cidade quanto em estrada para modelos a gasolina, a álcool, flex ou a diesel. A temperatura no laboratório é regulada entre 20 e 30 graus Celsius.O ciclo cidade começa com o motor frio, depois de parado no mínimo 12 horas em sala climatizada simulando uma garagem. Em seguida, inicia-se um ciclo de cerca de 12 quilômetros em que a velocidade varia muitas vezes. O “carro” anda, para, acelera novamente até que para completamente por 12 minutos (como se fosse estacionado para algum afazer) e é retomado o ciclo em movimento até que se complete um total de 17 quilômetros com o “veículo” andando. O ciclo estrada é parecido, porém é feito com o motor aquecido. O “carro” percorre 12 quilômetros, mas com velocidade média e quase constante de 80km/h.
RESULTADO Nas duas situações, os gases emitidos pelo escapamento são coletados e analisados. E é pelo balanço de carbono obtido que se calcula o consumo. “O carbono que sai no escapamento é proporcional ao que entra para a queima do combustível. Por isso, a análise pelo balanço de carbono”, explica Astor. O especialista acrescenta que existe também a possibilidade de se fazer o teste pela massa de combustível consumida no trajeto, mas, segundo ele, 100% dos laboratórios das montadoras atualmente fazem o ensaio usando a análise do balanço de carbono. Depois de concluídos os ensaios, os números ainda são corrigidos para condições normais de temperatura e pressão (CNTP), sendo a temperatura considerada de 20 graus Celsius e a pressão do nível do mar.
Por tudo isso, é praticamente impossível para o motorista, no dia a dia, alcançar os números de consumo divulgados pelos fabricantes de veículos. “Realmente existem reclamações, pois os ensaios são muito diferentes do real. No dia a dia há uma série de interferências – subidas, descidas, trechos curtos, ventos, etc. – que fazem o consumo ser pior do que em laboratório”, admite Astor. Tudo isso, é claro, além do próprio motorista, cuja maneira de dirigir também influencia no consumo.
Análise da notícia
Para quê?
Boris Feldman
A pergunta então é: se os dados oficiais de consumo são obtidos em laboratório e não correspondem aos encontrados no dia a dia do motorista, qual é a sua finalidade? São valores referenciais, ou seja, é uma padronização para que todos os fabricantes testem seus modelos sob exatamente as mesmas condições. Só assim é possível comparar o consumo entre dois modelos da mesma fábrica ou de marcas diferentes.