Existem várias razões para algo inexplicável: não usar o cinto de segurança. Quando se trata do banco traseiro, a gama de justificativas se amplia. O sociólogo especialista em segurança no trânsito Eduardo Biavati atribui isso a um "mistério da mente humana". Nos últimos anos, principalmente depois da entrada em vigor do Código de Trânsito Brasileiro, em 1998, usuários passaram a atar o cinto no dia a dia. Entretanto, permanecem negligenciando o uso do cinto no banco traseiro, tema da terceira matéria na série sobre os 50 anos do Cinto de Segurança de três pontos.
A Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (Sbot) concluiu uma pesquisa entre estudantes universitários sobre o uso do cinto de segurança. Quando questionados sobre o hábito do equipamento no banco dianteiro, 96% responderam que o usam quando são motoristas e 93% o utilizam quando estão no banco do passageiro. Entretanto, quando indagados se colocam o cinto de segurança no banco traseiro, 74% responderam que não. Biavati chama isso de "inconsciência do riso".
O sociólogo acredita que as pessoas desvalorizam o cinto no banco traseiro porque não enxergam o perigo. "Existe uma falsa sensação de segurança, provocada pelo encosto do banco dianteiro, que é macio, e as pessoas entendem que aquilo é confortável e quando houver um choque não serão lesionadas", explica. Entretanto, Biavati esclarece que caso ocorra um acidente e os passageiros do banco traseiro estejam sem cinto de segurança, serão forçados a um movimento que vão bater a cabeça no teto do carro e depois serão jogadas para a frente. "É uma grande ilusão acreditar que a estrutura dos bancos vai dar uma aliviada", complementa o sociólogo.
Biavati trabalhou durante nove anos como coordenador do Programa de Prevenção de Acidentes de Trânsito da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação e relata que grande parte das vítimas de trânsito são jovens que estavam voltando de uma festa, geralmente, no banco traseiro, sem cinto de segurança, e sofreram lesão medular. "Quem faz isso se submete a uma situação de autoexposição ao risco", define.
Vista grossa
Para o professor de ética na engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mário Fernando Petzhold, existem outros fatores que diminuem o uso do cinto de segurança no banco traseiro. Um deles é a fiscalização precária. O que contribui para a pouca vigilância é a legislação que exige apenas cintos abdominais no banco traseiro. Petzhold entende que, se houvesse obrigatoriedade do cinto de três pontos para quem anda na parte de trás do veículo, a fiscalização poderia ser mais rigorosa e, por sua vez, a consciência da população evoluiria. ?É uma briga que deve ser feita entre a sociedade civil, os governos e as montadoras?, afirma o professor.
Os cinco carros mais vendidos do país tem um ponto em comum. Nenhum tem cinto de segurança de três pontos para o passageiro central. VW Gol (169.995), Fiat Palio (115.491), Fiat Uno (98.403), Chevrolet Corsa Sedã (80.422) e VW Fox (79.874) correspondem a 39,5% dos automóveis vendidos nos sete primeiros meses do ano. São os campeões de vendas, mas pecam em segurança.
Para o Fox e o Gol o cinto de três pontos para o ocupante do banco central não é vendido nem como opcional. Grave é que o Fox, que a VW tanto se vangloria de exportar para a Europa, é homologado apenas para quatro passageiros no Velho Continente. A reportagem questionou a VW sobre o motivo de não ser vendido o equipamento de segurança, mas não obteve resposta.
A General Motors, por sua vez, justifica que cumpre a lei e que faz muito em oferecer cintos de três pontos retráteis para os ocupantes laterais do banco traseiro: "O que é uma diferença positiva entre os modelos do seu segmento/faixa de preço no mercado brasileiro".
Desculpa
O Uno Mille, além de não ter a opção de três pontos para o passageiro central, oferece apenas o cinto estático (não retrátil) para as outras posições. O consumidor que quiser equipar o carro com inteligência e segurança, nesse caso, não consegue. De acordo com o engenheiro Carlos Henrique Ferreira, assessor técnico da Fiat, "o cinto retrátil é um sistema que aumenta o conforto e não a segurança". Ferreira explica também que "a instalação de um cinto de segurança de três pontos para o ocupante traseiro central requer mudanças estruturais para que sejam instalados os pontos de fixações".
Petzhold foi o responsável pelo projeto que deu origem à regulamentação do uso do cinto de três pontos no Brasil, quando comandou uma pesquisa nacional, no fim da década de 1970, que mostrou o baixíssimo uso do cinto no país e desfez uma série de mitos sobre o equipamento. Já naquela época Petzhold sabia que a eficiência do cinto de três pontos é de 55% contra 33% do cinto abdominal, de dois pontos.
Outra diferença notada na pesquisa é que o cinto retrátil é mais suscetível ao uso, pois não é necessário ajustes quando muda o usuário. Por isso, a importância é muito maior que o conforto, como justificou a Fiat.