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Saiba porque cresce o número de acidentes em trechos com obras nas rodovias de Minas

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Eduardo Tondato: o motorista não deve ser punido com a morte quando comete um erro

Para o engenheiro Eduardo Rezende Tondato, especialista em segurança de estradas, o crescente aumento do número de acidentes fatais em trechos de rodovias com obras em Minas está diretamente ligado à falta de investimentos em equipamentos e pessoal especializado em segurança viária. Tondato ressalta que faltam sinalização, fiscalização e profissionais treinados para conter essa trágica estatística; e fala também sobre os principais problemas das rodovias brasileiras, como a falta de balanças para evitar excesso de carga, falta de limpeza e conservação, buracos etc, além de temas polêmicos como a privatização das estradas.

Por que têm ocorrido tantos acidentes em trechos com obras nas rodovias de Minas? Falta sinalização? Quando existe, é muito precária?

Em primeiro lugar, é importante que haja uma pré-sinalização dos trechos em obra, para alertar o motorista com antecedência de, no mínimo, um quilômetro. Além da pouca informação antecedente, a própria sinalização do trecho em obra também costuma ser muito precária, malconservada ou sem uma visibilidade coerente com a via. Em outros casos, as placas não estão com a refletância correta, ou por estarem sujas, gastas, vencidas (algumas têm validade de seis meses) ou sem legibilidade; e faltam dispositivos básicos de segurança. Também falta pessoal especializado em segurança viária para fiscalizar e orientar a sinalização nesses trechos. É importante citar que os gastos com dispositivos de segurança viária representam apenas cerca de 1,5% do total da obra e deveriam ser contemplados com verba específica para isso no processo de licitação dessas obras.

As estatísticas do governo apontam que 90% dos acidentes são provocados por falha humana. Mas uma boa parte desses acidentes pode ter sido causada devido ao péssimo estado de nossas estradas, pois o motorista poderia, por exemplo, ter saído da pista ou passado para a contramão ao desviar de um buraco, não?
Esse dado de 90% não é mais real e quem trabalha com segurança rodoviária sabe que a falha humana está em torno de 65%, sendo que os 35% restantes seriam problemas do que se chama de “corpo estradal”, ou seja, que inclui vários fatores, como trechos que acumulam água e favorecem a aquaplanagem – os pneus perdem o contato com o solo e o carro “esquia” sem controle –, trechos mal sinalizados, enfim, problemas que poderiam ser solucionados com trabalhos de engenharia. Existem vários dispositivos de contenção viária, que podem reconduzir o veículo para a pista. Acho que temos que adotar a filosofia da rodovia que perdoa. Ou seja, se o motorista cometer um erro, não precisa ser punido com a pena de morte. Temos que usar a engenharia de segurança viária a favor do usuário.

Por que os pisos de nossas rodovias se deterioram tão rápido? Alguns especialistas culpam o excesso de carga. Não faltariam balanças em Minas para coibir esse abuso?
Com certeza. A falta de balanças nas estradas de Minas é uma das principais causas da degradação das vias. E algumas empresas transportadoras se aproveitam disso para aumentar seus lucros, colocando sobrecarga nos seus caminhões. Além de deteriorar o pavimento, essa atitude também compromete a segurança do veículo (freios, suspensão etc.), colocando em risco a vida de outros motoristas e passageiros inocentes. Se tivéssemos um número maior de balanças, com certeza estaríamos economizando uma boa parte do dinheiro público gasto com a recuperação das estradas.

Você acredita que a privatização seja o melhor caminho para tornar nossas rodovias mais seguras? Não corremos o risco de pagar muito caro (preços elevados de pedágio) por isso?
O que eu não concordo é com o fato de o governo construir sozinho estradas ou fazer reformas profundas nessas vias, com dinheiro público, e depois entregá-las de mão beijada para uma empresa explorá-la fazendo apenas pequenos reparos. Mas, com relação à conservação da estrada, não resta dúvida de que a privatização é o melhor caminho, pois o usuário vai pagar uma quantia – desde que seja justa –, mas vai ter de quem cobrar “a conta” caso a via não esteja bem conservada, caso haja um acidente provocado por algum tipo de problema nessa estrada. Se a responsabilidade for do governo, o usuário pode até ganhar uma ação judicial, mas dificilmente vai receber.

Em trechos de estrada que estão constantemente em péssimo estado de conservação, como o trecho da BR-040 entre BH e Conselheiro Lafaiete, o Dnit deveria assumir que não consegue realizar manutenção adequada e colocar placas avisando sobre buracos, falta de acostamento, de sinalização. Não seria mais seguro?
Um dos primeiros artigos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) cita que uma estrada somente deve ser liberada para o usuário quando estiver um perfeitas condições de uso e sinalização. Acho que o órgão não faria isso porque, ao colocar essas placas, estaria assumindo que não está cumprindo o que determina o Código de Trânsito Brasileiro.

Não é uma atitude completamente irresponsável liberar uma estrada que foi reformada mas que ainda não tem nem sinalização horizontal, como já vimos várias vezes?

Se o tipo da tinta a ser usada no novo pavimento for termoplástica, que tem uma durabilidade mais longa e uma melhor refletância, ela só pode ser aplicada no mínimo 10 dias depois de ser colocado o asfalto. Mas existem dispositivos de sinalização das bordas da via que independem desse período de tempo, que são os balizadores, compostos de elementos refletivos nas cores amarela, branca e vermelha, que indicam mão e contramão, pista dupla etc. Isso traria muita segurança aos usuários, pois os motoristas saberiam se situar durante a noite. Depois, eles seriam retirados e viria a pintura definitiva. Acontece que alguns empreiteiros, para economizar, não usam esses dispostivos.

O descaso com a manutenção de nossas estradas vai desde a falta de limpeza – é comum depararmos com pedaços de acidentes, de pneus estourados, animais mortos etc – até defensas quebradas...

É verdade, e isso é um absurdo! Além de toda a sujeira, que pode causar diversos tipos de acidentes, a falta de manutenção das defensas (proteções) é um caso gravíssimo. Já presenciei casos em que a defensa metálica quebrada em vez de proteger acabou agravando as causas do acidente, pois entrou dentro dos veículos e atingiu fatalmente seus ocupantes. E isso ocorre justamente em trechos mais perigosos, com alto índice de acidentes, ou seja, nos mesmos locais onde já aconteceram outras batidas.

No Brasil, os órgãos responsáveis pela manutenção das estradas falam tanto em segurança mas permitem que a população ocupe margens muito próximas das rodovias, colocando em risco a segurança de pedestres, motoristas e passageiros. Como você analisa essa questão?

De acordo com pesquisas de vários órgãos internacionais especializados em segurança, quando o motorista perde o controle da direção, em 80% dos casos o veículo percorre uma distância média de nove metros depois que sai da pista de rolamento. Se as casas estão muito próximas da rodovia, com certeza as vidas desses moradores, dos motoristas, pedestres e passageiros estão correndo enorme risco. E essa situação aconteceu e vem acontecendo por falta de controle dos órgãos responsáveis pela manutenção de nossas ruas, avenidas e estradas, que não cuidaram das faixas de domínio, seja por falta de fiscalização, descaso, etc.

Você acredita que a construção de uma mureta central em pontos mais críticos do trecho da BR-262/BR-381 entre BH e João Monlevade reduziria o número de mortes, já que uma das principais causas de mortes são os choques frontais?

Na falta da duplicação – já anunciada pelo governo – , a mureta central com certeza é uma solução importante para a redução do número de mortes. Mas é importante ressaltar que essa barreira de concreto deve resistir a um impacto mínimo de 30 toneladas. Isso aconteceu na própria BR-381, na chegada à cidade de São Paulo, onde a mureta central reduziu drasticamente o número de acidentes fatais.

As placas de sinalização em portais são mais eficientes do que aquelas colocadas ao lado da estrada, já que estas últimas estão mais sujeitas a vandalismo, queimadas e outras formas de destruição?
Numa via com duas faixas de trânsito por sentido, o ideal é que toda a sinalização seja aérea, por meio de pórticos e semipórticos, pois se você colocar a placa numa borda ou na outra o motorista poderá não enxergá-la em uma ultrapassagem, por exemplo, quando o outro veículo poderá ocultá-la. Esse tipo de sinalização é mais caro, mas é mais eficiente – no sentido de informar o usuário, que paga a conta – e reduz bastante o número de acidentes de trânsito.

Frisos no asfalto são uma boa solução para melhorar a segurança em curvas?

Não. Quando se faz uma fresagem na curva, na verdade se reduz a camada de asfalto, o que pode ser traduzido em redução da durabilidade do pavimento. Atualmente já existem materiais asfálticos com polímeros que tornam a pista mais porosa, absorvendo melhor a água. Trata-se de um material um pouco mais caro, mas muito mais eficiente, principalmente no sentido de garantir a estabilidade do veículo.

No Brasil, as autoridades responsáveis pela manutenção das estradas optaram pela cultura do remendo, em vez da restauração total de determinados trechos. Os remendos não trazem mais insegurança e desconforto aos usuários?
Temos que lembrar que as estradas brasileiras estão sendo sucateadas desde a década de 1980. Somentes nos últimos cinco anos é que as autoridades passaram a dar atenção maior às estradas, ou seja, a se preocupar em fazer novas estradas e tentar manter as que já existem. Espero que daqui para frente o governo escolha o caminho da restauração completa, pois os remendos duram somente até a próxima chuva e, com certeza, não são a melhor opção em termos de segurança e conforto.