UAI

Politicagem automotiva

É possível contar parte da história recente do Brasil usando os veículos que marcaram o cenário político. De momentos de orgulho aos escândalos de corrupção

Publicidade
Foto:

A relação da política e de políticos com os carros é muito mais forte do que pode parecer. Os automóveis já foram peças importantes em manobras políticas e escândalos de corrupção que ganharam destaque internacional. Mas as máquinas também estão presentes no progresso do país e na evolução da economia brasileira. Nós relacionamos os carros mais lembrados no cenário político nacional.

 

Clique aqui e veja a galeria de fotos!

 

O início da indústria brasileira

Juscelino Kubitschek incentivou a vinda de montadoras ao Brasil. O presidente da República anterior a ele, Getúlio Vargas, havia proibido a importação de veículos montados e criou obstáculos à importação de peças e o Brasil precisava de um 'empurrão' para o desenvolvimento do setor. Foi criado o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia) e, no mesmo ano, o então presidente inaugurou a fábrica de motores da Mercedes-Benz. Em 1959, JK abriu oficialmente a nova fábrica da Volkswagen, em São Bernardo do Campo (SP), e desfilou pelas dependências da empresa a bordo de um exemplar conversível.

JK inaugura fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo, em 1959


Em 1974, o general Ernesto Geisel criou o II Plano Nacional de Desenvolvimento para estimular a produção de bens de capital, insumos e energia, proibindo a importação de carros.


Clique aqui e veja a linha do tempo dos carros na cena política

Como os veículos feitos no Brasil não chegavam perto da qualidade, tecnologia e segurança dos modelos comercializados na Europa e nos Estados Unidos, em 1990, o então presidente Fernando Collor de Melo chamou os automóveis produzidos aqui de 'carroças' e em maio daquele ano abriu os portos para que o Brasil pudesse voltar a receber os veículos importados. Até o Ford Landau presidencial foi para o museu e Collor providenciou uma nova frota composta por um Lincoln Town Car, um Alfa Romeo 164 e um Mercedes-Benz 560 SEL.


Brasília

Muitos modelos foram batizados em função da nova capital federal: o DKW Candango (menção aos trabalhadores que construíram Brasília); Simca Esplanada; Willys Itamaraty; e o VW Brasilia. Algumas unidades do luxuoso FNM JK, lançado em 21 de abril de 1960, data da inauguração da capital, que serviram ao governo foram usadas no Grande Prêmio Presidente Juscelino Kubitschek, realizado dois dias depois. Grandioso, quem deu a bandeirada no evento foi ninguém menos que o piloto Juan Manuel Fangio.

Brasília foi lançada em homenagem à nova capital federal


Protagonista de esquema de corrupção

Um Fiat Elba Weekend detonou o escândalo de corrupção no Governo Collor. Um jornalista de O Globo que trabalhava na cobertura do esquema de desvio de dinheiro do tesoureiro da campanha de Collor, Paulo César Farias, conseguiu a cópia dos cheques usados para comprar o Fiat Elba da primeira-dama, Rosane Collor. Os cheques estavam em nome de um correntista fantasma de PC Farias. Essa foi a prova que faltava para ligar o presidente ao esquema. Em agosto de 2005, uma equipe de reportagem do jornal Correio Braziliense, localizou a Elba abandonada na garagem de uma casa no Setor de Oficinas Sul de Brasília. Segundo a apuração da época, o veículo 1991 estava rodando e ainda em nome de Fernando Collor de Melo. O carro estaria sob 'cuidados' de Renata Oliveira, ex-funcionária da Casa da Dinda, a residência oficial de Collor enquanto presidente.


Fotógrafo do jornal Correio Braziliense clicou o Fiat Elba de Collor 13 anos após o seu impeachment

Em pronunciamento oficial pela televisão, o próprio Collor explicou que a Elba foi comprada para substituir sua Veraneio, que ficou bem avariada após um acidente com o então presidente. Na época, a imprensa que acompanhava Collor, informou que a Elba do escândalo substitui um outro veículo do mesmo modelo, que também havia se acidentado. Segundo reportagens da época, haviam jornalistas de plantão na Casa da Dinda, aguardando a saída de Collor. O presidente saiu dirigindo um carro e os repórteres entraram no primeiro veículo que viram, que era justamente a Elba. Ao volante estava o motorista da família Collor, que prontamente atendeu ao pedido dos jornalistas dando início a perseguição, que terminou com uma batida na primeira curva da rua. Ninguém ficou ferido, mas a Elba foi destruída.


Em 2010, Collor declarou ter uma Ferrari, um Maserati e um Gol 1.6, além de uma lancha, para se divertir nos momentos de lazer em Alagoas.


Itamar e o Fusca

O desfecho da 'novela Collor', todos conhecem. Ao tomar posse, em 1992, Itamar Franco mandou devolver o Mercedes e o Alfa Romeo presidencial aos fabricantes. O Lincoln foi leiloado em prol de uma instituição beneficente. O carro presidencial voltou a ser o Opala Diplomata, que já o atendia enquanto vice de Collor.


Itamar buscava algo que marcasse sua passagem pelo Planalto e foi achar a saída logo no Salão do Automóvel de São Paulo de 1992. Ele ficou inconformado ao perceber que o veículo mais barato em exposição custava o equivalente a US$ 23 mil. Nascia ali a ideia da marca do Governo Itamar Franco: um carro popular, que pudesse ser adquirido pela classe média, tão popular quanto o Fusca, que havia deixado de ser produzido no Brasil em 1986.


O então presidente chegou a citar em suas entrevistas a necessidade de um carro para o povo e apelou para que a Volkswagen voltasse a fabricar o Fusca. Outra versão da história da volta do modelo na era Itamar é de que o político queria apenas agradar sua ex-namorada Lislie, que possuía um exemplar 1981. Na ocasião, chegaram a falar que seria apenas um capricho pessoal de Itamar, que na impossibilidade de comprar um Fusca, pediu à Volks que voltasse a fabricar o 'Besouro'.

No estilo JK - inclusive com um Fusca conversível -, Itamar Franco reinaugura a linha de produção do 'besouro'

Mas nenhuma dessas histórias se confirmaram e a verdade veio à tona em 25 de janeiro de 1993. Como a Volkswagen não havia esboçado nenhuma reação às entrevistas de Itamar, ele convidou o presidente da Autolatina, Pierre-Alain de Smedt, para uma reunião em Brasília. Bastou apenas uma conversa para que ele deixasse a capital federal com o acordo da volta do Fusca ao mercado nacional. Em 4 de fevereiro de 1993, Itamar Franco assinou o protocolo do carro popular. Em 23 de agosto do mesmo ano, Itamar reinaugurou a linha de montagem do Fusca na fábrica de Anchieta, da Volkswagen. No melhor estilo JK, Itamar usou na cerimônia um Fusca conversível, feito especialmente para a ocasião. Itamar comprou esse Fusca, que hoje se encontra no memorial do ex-presidente, em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira.


Rolls-Royce empaca na posse de Lula

Após três tentativas frustradas de chegar à presidência da República, finalmente Lula estava lá. Na cerimônia de posse em 01 de janeiro de 2003, o ex-metalúrgico não conseguia esconder a alegria ao desfilar no Rolls-Royce presidencial. Mas o antigo veículo – doado pela Rainha Elizabeth ao governo de Getúlio Vargas, em 1953 –, não conseguiu subir a rampa de acesso à garagem do Congresso Nacional e precisou ser empurrado por cerca de 10 homens. Para ter ideia de seu valor, o Rolls-Royce presidencial está segurado por US$ 400 mil. Mas também pudera, um veículo tão exclusivo, com carroceria em alumínio feita à mão, não poderia custar menos. Característica única do RR presidencial são os estribos laterais e traseiros, que podem carregar até 15 pessoas.

Na posse do primeiro mandato de Lula, o Rolls-Royce teve de ser empurrado para chegar ao Congresso


Depois de uma restauração caprichada, o conversível mantém a boa forma com passeios semanais dentro da garagem do Palácio do Planalto, além da volta mensal pela Esplanada dos Ministérios. Existem controvérsias a respeito da veracidade dos 28 mil quilômetros estampados no hodômetro do Silver Wraith. Se a fachada está irretocável, a mecânica, nem tanto. A Presidência não informa muito sobre o veículo, mas entendedores de carro dizem que seu motor tem 4.5 litros de capacidade e 120cv de potência.


Lula ficou oito anos na presidência. Nesse período trocou algumas vezes de carro presidencial. Passou por algumas gerações do Chevrolet Omega e até ganhou um Fusion Hybrid de presente da Ford no Salão do Automóvel de São Paulo, em 2010. O avião presidencial foi logo substituído por Lula. O velho Boeing 707, fabricado em 1968, conhecido como 'sucatão', foi usado até o Governo FHC. Em uma viagem do vice de Fernando Henrique, Marco Maciel, à China, um dos quatro motores do 707 pegou fogo e foi feito um pouso de emergência em Amsterdã e a comitiva seguiu em voo comercial.


Hoje, o sucatão foi transformado em aeronave de reabastecimento em voo, mas o Governo chegou a emprestá-lo para a TAM, juntamente com outros sete equipamentos (outro 707 e seis 737-200, conhecidos como sucatinhas), em dezembro de 2006, quando a companhia não conseguiu atender a alta demanda de passageiros no fim daquele ano.


Mesmo com novos projetos de jatos de grande autonomia para servir empresas e Governos, a brasileira Embraer perdeu a chance de fazer o avião presidencial para a francesa Airbus. Lula preferiu o A319 executivo, com adaptação para voos de longa distância, que custou quase o dobro do valor do EMB-190, modelo da Embraer que serveria de base para o avião presidencial.

 

Conhecido popularmente como 'Aerolula', Airbus presidencial custou US$ 56,7 milhões e deverá ser substituido por Dilma

No fim de seu Governo, Lula defendeu a ideia de comprar uma nova aeronave que seria usada pela presidenta eleita, Dilma. Lula chegou a reclamar da limitação do Airbus presidencial. “O Brasil precisa de um avião com maior autonomia para o presidente da República viajar. É uma vergonha ter um avião de apenas 12 horas de autonomia”, disse o então presidente durante uma visita ao canteiro de obras de uma hidrelétrica no Maranhão, em novembro de 2010.


No último dia 19, a agência de notícias Reuters informou que a presidenta Dilma estaria em negociação com a americana Boeing para a aquisição de um novo avião presidencial, modelo 747, similar ao Air Force One, o avião do presidente dos Estados Unidos. A imprensa já havia noticiado que Dilma tem pânico de turbulências e que chegou a instruir seus pilotos a mudarem o plano de voo para desviarem de tempestades. Apesar de novo, o atual avião presidencial já apresentou problemas de pressurização forçando um pouso não programado e Dilma estaria priorizando a segurança dela e da equipe ao analisar a substituição da aeronave.

Segundo agência de notícias, novo avião presidencial de Dilma será o Boeing 747, como o usado por Barack Obama


O carro do mensalão

Em 2005, o governo Lula passou por seu momento mais turbulento: a descoberta do esquema de corrupção chamado de mensalão. Entre tantos envolvidos e cifras milionárias, um Land Rover Defender 90-CSW chamou a atenção da mídia. Era o carro de Sílvio Pereira, ex-secretário geral do PT. Até aí, o veículo apenas representava o refinado gosto automotivo de Pereira. Mas o veículo foi um presente do proprietário da GDK, empresa prestadora de serviço para a Petrobras, que trabalhava com contratos superfaturados, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). Essa informação deixou a situação do petista ainda mais complicada. Com tanta repercussão do valioso presente do amigo empresário, Sílvio Pereira não desfrutou muito tempo de seu novo 'jipão' britânico e colocou o Land Rover a venda por R$ 80 mil.

Land Rover Defender é o carro que representa o período do mensalão


Sugestão de Lula à esposa de Serra

Em dezembro de 2007, Lula participou do lançamento oficial do novo Ford Ka, já chamado de Ka 2009. Na fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, Lula evitou falar de futebol por causa do rebaixamento do Corinthians para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro naquele ano. Mas Lula agradeceu publicamente o então governador de São Paulo, José Serra, pelo empenho em pedir aos senadores que votassem contra o veto da CPMF. Mas os jornalistas presentes questionaram e queriam mais declarações de Lula e o presidente finalizou: “Nós viemos aqui hoje para falar de Ford Ka”. No discurso, Lula disse que Serra havia perguntado se o carro era bom e que recomendaria para uma prima comprar. O presidente sugeriu que Serra desse um de presente a sua esposa e descontraiu o clima na Ford.

Lula deu um palpite automotivo a José Serra durante o lançamento do novo Ford Ka


Carro de ex-presidente

No Salão de São Paulo de 2010, Lula visitou vários estandes, conheceu as novidades e se encantou com os bólidos expostos. No estande da Audi, Lula disse que o R8 Spyder V10 seria o carro ideal para um ex-presidente.

Lula conheceu o Camaro amarelo no Salão de São Paulo, mas se encantou com o Audi R8


Orgulho feminino

Poucos perceberam, mas o orgulho feminino que pairava no ar com a posse da primeira presidente da história do Brasil, em 01 de janeiro de 2011, estava em plena sintonia com a figura alada que os Rolls-Royces ostentam sobre o radiador.

Dilma e o orgulho feminino a bordo do Rolls-Royce presidencial

Denominada 'Spirit of Ecstasy', a escultura existe desde 1911 e foi modelada por Charles Sykes. Diz a lenda que a figura feminina foi inspirada em Eleonor Thorton, secretária de um lorde que havia encomendado um modelo da marca.


Temer desfilou em um Cadillac alugado para a posse

Já o segundo carro da comitiva, que levou o vice-presidente, Michel Temer, era um Cadillac 1968. A 'barca' tem nada menos que 5,7 metros de comprimento, 3,28m de entre-eixos, 2,02m de largura e pesa 2.300kg. Foi o último ano em que os faróis foram elegantemente empilhados na vertical. Em 1968, o modelo ganhou o motor V8 de 7.7 litros, 375cv e o torque descomunal de 71.2kgfm. O Cadillac não faz parte da frota da Presidência, pertence a um colecionador. Conta-se que, inicialmente, o veículo usado em seu lugar seria um Lincoln 1941 conversível, mas seu dono não achou boa ideia deixar um motorista inexperiente conduzi-lo.


Dilma e o Tipo de ouro

Nossa presidenta nunca demonstrou qualquer afinamento com os automóveis, mas mostrou que não está muito por dentro do mercado. Em 2010, ela declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que era proprietária de um Fiat Tipo 1.6 mpi ano 1996, no valor de R$ 30.642,00. Por esse valor, só se o veículo tiver alguma peça de ouro, pois o valor de mercado do modelo na época da declaração, não passava dos R$ 7,9 mil.

Carro usado sempre vale mais aos olhos do dono. Nossa presidenta é dona de um Fiat Tipo 1996 de R$ 30 mil


O vice, Temer, está melhor 'na fita', desfilando com um imponente Audi A6 3.0 2003. O sedã alemão de alto luxo enche os olhos, mas não vale os R$ 282 mil, informados por Michel Temer. O carro foi supervalorizado pelo proprietário em mais de R$ 170 mil.


Frota de luxo para vereadores

Em 2011, uma assembleia na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, decidiu que a casa compraria 51 automóveis de luxo para atender os vereadores, que pareciam não estar satisfeitos apenas com os mil litros de combustível que ganhavam por mês. A mídia noticiou a aquisição dos veículos Volkswagen Jetta, em um contrato de R$ 2,8 milhões. Apenas cinco, dos 51 vereadores, votaram contra a compra dos carros. Com o fato público, a pressão popular foi rápida e forçou a Câmara a cancelar o contrato. Uma das parlamentares sugeriu trocar o Jetta pela Kombi, que seria mais útil ao trabalho direto com o povo. Em todo o Brasil, apenas as câmaras municipais de Goiânia e Curitiba contam com frota própria.

Vereadores do Rio queriam andar de Jetta às custas do dinheiro público