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Onde couber o seu sonho

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Aqueles que pensam que para viver uma grande expedição automotiva é preciso gastar os tubos e dispor de um caro modelo preparado, podem ter no exemplo de Mauricio dos Santos uma luz. O engenheiro civil de 53 anos partiu de Belo Horizonte para aventuras no continente sul-americano sem gastar muito, escolhendo como companheiro sempre um Suzuki Vitara. Mas não se trata do novo Vitara não! São dois modelos veteranos dos anos 1990. E provou que não é necessário recorrer a um parrudo Jeep ou a um caro Land Rover para vencer os obstáculos das jornadas. Confira detalhes das suas duas viagens.

INCREDULIDADE


“Todo mundo disse que eu era maluco de ir num carro velho para o deserto do Atacama”, relembra o aventureiro. Sem contar com a credulidade alheia, Mauricio confiou no Suzuki Vitara JLX duas portas, que já contava em 2007 com 15 anos de trilhas e 130 mil quilômetros rodados. Com motor 1.6 8V e câmbio manual, o jipinho de 3,62metros esbanja agilidade nas trilhas graças ao sistema de tração integral com reduzida, bem diferentes dos crossovers baseados sobre carros de passeio, na medida para a jornada solo de 17 dias e mais de 8 mil quilômetros pelo Paraguai, Argentina, Chile e Bolívia. Não foi à toa que chegou não apenas ao Atacama, onde passeou pelo leito formado por placas de sal do Vale da Morte, como também enfrentou as estradas sinuosas das cordilheiras.

PREPARAÇÂO

Mesmo sem um motor turbodiesel, o Vitara não sofreu tanto na subida. “Pela altitude, o carro sentiu a falta de oxigênio e ficou frouxo, em razão da queda de rendimento, além de tender ao superaquecimento”, explica Mauricio, que apenas

moderou o ritmo para não forçar o Vitara. E o motorista, ficou bem na altitude? O belo-horizontino conta que levou um tanque de oxigênio alugado, só para garantir. Mauricio não deu chance ao azar e instalou protetores de motor, caixa de câmbio e tanque, para evitar danos no fundo do Suzuki, afora o rack para levar dois estepes: um extra e o outro que ficava originalmente no suporte da tampa do porta-malas. Ou seja, sem muito, pagando menos de R$ 50 por alimentação e hospedagem por dia, foi possível visitar paisagens inacreditáveis, como os lagos azuis em Laguna Verde, na Bolívia, onde esbarrou com outro grupo em um Toyota Land Cruiser das antigas, um trilheiro inveterado. A água azul engana: não se pode nadar ali, por conta da química da água. No Valle de La Luna, cujo nome já remete à paisagem lunar, uma prova de que andar de Vitara pelo deserto não é tão radical: há grupos que vão de bicicleta, mas é preciso descer da bike antes de encarar a trilha sobre as dunas. O prêmio vale a pena: um pôr do sol inesquecível.

ITENS E PEÇAS


Além de galão de combustível de 25 litros, o aventureiro levou peças sobressalentes, uma lista que inclui itens de maior desgaste, como correias dentada e lisa, velas e cabos, bomba de combustível, compressor de ar, filtro de óleo, cinta de reboque e rádio PX. Isso não quer dizer que outras partes não possam dar problema, algo que assusta diante da imensidão desértica. “Nessas regiões, as oficinas ficam a muitos quilômetros”, afirma. Ainda bem que a única visita foi em razão do escapamento danificado, que foi consertado em uma oficina que em nada lembra uma autorizada de Buenos Aires, entre os carros antigos que tão bem caracterizam a região.

ALPACAS


Basta andar um pouco para se deparar com uma alpaca, que parece uma lhama miniaturizada. Em meio à região desértica de vegetação esparsa, os bichos ficam à vontade. As fitinhas marcam quem é o dono do animal, que fica solto por ali, cumprindo o seu papel de atração da região. É mais fácil achar uma do que um posto de gasolina (daí o tanque auxiliar). “Me indicaram várias vezes um em Cerro Castillo (Chile) e eu não encontrava, até que descobri. Mas tem que chamar o frentista em sua casa”. Nessa região, tem cidades que nenhum estabelecimento aceita cartão de crédito, então a saída é levar dólares. Alguns postos às vezes têm quatro tipos de gasolina (nafta); a melhor teve octanagem suficiente para alimentar o Vitara sem refluxos.

FIM DO MUNDO

Como tudo deu certo, em 2008 foi a vez de voltar à estrada, rumo ao fim do mundo: Ushuaia, na Terra do Fogo argentina. Para chegar ao extremo do continente, Mauricio elegeu um novo companheiro, mas nem tão novo assim: outro Vitara, só que de 1997, com carroceria quatro portas e motor 1.6 16V, também com caixa manual, conhecido como Sidekick, como também são chamados os parceiros – é só ver a ficção, Batman e Robin, Dom Quixote e Sancho Pança, Sherlock Holmes e o dr. Watson e por aí vai. Mas o Sidekick não foi o parceiro exclusivo, já que essa odisséia de 36 dias pela Argentina, Chile e Uruguai foi cumprida com a companhia de Helena de Cássia Santos, de 50 anos. Mesmo experimentado, Mauricio ouviu novamente: “Você vai botar sua esposa nesse carro velho e ir até o fim do mundo?”

VITARÂO

O modelo recebeu, além dos itens do Vitarinha, snorkel, GPS, lanterna para iluminação de mapas e guincho elétrico, entre outros. O jipe tinha perto de 90 mil quilômetros rodados e enfrentou a jornada de mais de 16 mil quilômetros e não só voltou como está com Mauricio até hoje. A viagem pegou boa parte da Ruta 40, que é para os argentinos o que é a Rota 66 para os americanos. Nada de asfalto, a grande estrada (por assim dizer) tem piso de cascalho, chamado por lá de rípio, o que danificou a suspensão e trincou um para-brisa. Para não se perder, uma miniatura de um pinguim patagônio no lugar destinado ao GPS servia como guia.

RUTA 40

Na Ruta 40 é possível encontrar carros curiosos pelo caminho. E até pagadores de promessa, no estilo Caminho de Santiago. Foi o caso do argentino que reformou completamente um simpático Citroën 3CV, de 1964, versão argentina do 2CV, convertida para van. Diante das más condições da pista, que não conhece bom pavimento na maioria do percurso, foi a vez

de Mauricio perguntar: “Esse carro vai aguentar?” Ao que o motorista respondeu: “Tem que aguentar, senão vamos remendando no caminho”. Chegando à Carretera Austral, a situação não melhora, já que o caminho ainda sequer foi totalmente aberto. Já no Parque do Cabo Polônio, no Uruguai, o Vitara não pôde ir adiante: por lá só rodam veículos credenciados. E que veículos! Mauricio e Helena esbarraram com dois caminhões militares: um clássico Dodge Pata Choca americano e um Magirus-Deutz (a mesma marca que inventou as famosas escadas dos caminhões de bombeiros) alemão com seu curioso motor oito cilindros refrigerado a ar, como no VW Fusca. Outra prova que não é preciso ser novo para encarar esses terrenos.