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Não seja iludido: conserto errado da estrutura afeta segurança do veículo

Você sabia que os componentes estruturais de um veículo não podem ser simplesmente desamassados? Manutenção da segurança original depende do uso de técnicas adequadas

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Por incrível que pareça, o Gol à esquerda, no qual foi efetuado o reparo tecnicamente incorreto dos elementos estruturais, é o mesmo veículo da direita, cujos trabalhos mascaram a identificação do serviço



Você recebe um orçamento da oficina e, entre outras trocas de componentes, depara com o tópico “recuperação de longarina”. Orçamento aprovado, serviço executado e você recebe o carro pintadinho, lavadinho e até com pretinho nos pneus e sai todo feliz. Sorria, você é o mais novo otário da praça. Além de ter pago uma nota para a oficina ou para a seguradora, seu carro foi aleijado e sua segurança foi drasticamente afetada. O alerta é dos engenheiros mecânicos Guilherme Rodrigues e André Fagundes, da consultoria técnica automotiva Confiar.


Com larga experiência em perícias técnicas, os engenheiros já viram de tudo e afirmam que 15% dos veículos usados já passaram por algum reparo em sua parte estrutural e nada menos que 70% destes sem a técnica adequada. “Um bom reparador automotivo sabe que não se deve recuperar componentes estruturais do veículo (monobloco). Estas avarias somente devem ser consertadas por meio da troca obrigatória da peça, obedecendo metodologia (local e processo de corte e o tipo de solda) indicada pelo fabricante”, explica Guilherme Rodrigues.


E qual é a implicação disso? Segundo André Fagundes, o reparo inadequado compromete a segurança estrutural do veículo, podendo afetar o correto funcionamento de itens como os airbags, que podem abrir antes ou depois do momento certo. Então, não quer ser ludibriado? Fique de olho no orçamento da oficina e conteste qualquer recuperação feita em componentes como longarinas, colunas (A, B ou C), assoalhos, caixas de roda/torres do amortecedor e travessas de reforço (confira a localização dessas peças na ilustração).



CONTRA A PAREDE

O proprietário do veículo deve ter consciência de que a estrutura do carro já passou por muita evolução e é parte fundamental na absorção de impacto em caso de batida
 

O resultado de um conserto executado sem a aplicação da técnica correta foi demonstrado numa bateria de testes de impacto realizada pelo Centro de Experimentação e Segurança Viária (Cesvi). Inicialmente, um veículo novo foi submetido a um impacto (40% da parte esquerda frontal) contra uma barreira fixa a 18km/h. Com a batida, a longarina original se deformou em 51 milímetros. Depois disso, a longarina foi reparada de forma inadequada: estiramento da peça por aquecimento, seguido de reparação das áreas de deformação programada e método de soldagem inadequado.


A mesma metodologia de impacto foi repetida. O resultado? Deformação de 148 milímetros (quase três vezes mais!). Testes de laboratório revelaram que, após o reparo malfeito, a estrutura da longarina apresentou uma diminuição nas propriedades mecânicas e perda da resistência. Finalmente, a longarina foi reparada usando o processo adequado: estiramento a frio, substituição parcial da longarina (removendo a parte afetada para garantir a originalidade das áreas de deformação programada) e método de soldagem adequado. Um terceiro teste de impacto foi feito nos moldes dos anteriores e o resultado foi bem mais satisfatório: deformação de 57 milímetros.

Depois do impacto, Ford Focus mal reparado (esquerda) ficou bem mais destruído, com recuo das rodas dianteiras



IMPACTO De acordo com os engenheiros da Confiar, o atual conceito da estrutura do veículo é absorver ao máximo o impacto de uma batida por meio de sua deformação programada. Esta característica estrutural é um dos avanços mais significativos em segurança automotiva, sendo considerada a que mais salvou vidas. Esta evolução não é compatível com as técnicas arcaicas de reparo do monobloco. Alguns testes de colisão foram feitos mundo afora para mostrar o quanto o uso dessas técnicas poderia afetar os ocupantes do veículo.

Para ilustrar o resultado prático de um conserto errado, o programa inglês Fifth Gear, em parceria com o Mira (uma consultoria independente de engenharia automotiva), fez um teste de colisão entre dois Ford Focus usados. O primeiro veículo tinha uma boa aparência e foi comprado por uma pechincha. Uma análise feita por um engenheiro neste veículo detectou uma solda e várias intervenções feitas no chassi. O tipo de trabalho feito neste carro, idêntico ao narrado no teste do Cesvi, foi considerado estruturalmente inadequado.


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O outro Focus também passou por uma análise e guardava sua estrutura absolutamente íntegra. O teste de colisão frontal entre os dois veículos idênticos foi feito a 51km/h. O resultado? No Focus íntegro, as zonas de deformação absorveram adequadamente o impacto e o interior se manteve íntegro. Neste caso, os passageiros sairiam andando e empoeirados. Já a pechincha se comportou de maneira bem pior. A frente do carro amassou como uma folha de papel alumínio, as rodas se deslocaram para trás e houve intrusão do painel e dos pedais no interior no habitáculo. De acordo com os especialistas, o Focus “pechincha” amassou 9 centímetros a mais e esta intrusão extra na cabine é a diferença entre sair andando ou numa cadeira de rodas.

Intrusão do painel e pedais no interior do Focus deixariam sequelas no motorista



LATERAL Já em outro teste de colisão promovido pela BBC e o Mira mostrou o resultado do conserto errado de uma coluna B. Apesar de não se notar, o componente foi reparado de forma errada, com o simples corte, substituição parcial e técnica equivocada de solda, enquanto o correto seria substituir o painel por completo. O veículo foi levado para um teste de colisão lateral feito a 48km/h. Após o impacto, observou-se que a invasão na lateral foi bem maior do que aconteceria num veículo original porque a solda simplesmente se partiu. Especialistas em biomecânica afirmaram que o motorista atingido morreria.

Deformação da longarina em três situações: depois do impacto, peça original amassou 51mm...


no segundo crash, estrutura mal reparada deformou 148mm...


... e no terceiro, componente consertado corretamente amassou 57mm

 
Veja vídeo do teste feito pelo Cesvi:

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