O que deveria ser proteção vira perigo. A quinta reportagem da série, que mostra desde o último 26 de novembro as armadilhas reservadas a motoristas nas estradas que cortam Belo Horizonte, volta ao tema que lhe deu origem: as muretas de concreto que dividem as pistas, teoricamente com o objetivo de proteção. Depois de mostrar os obstáculos que inutilizam a função defensiva das barreiras no Anel Rodoviário e nas BRs 381, 262 e 040, o caderno Vrum chega à origem dos problemas, que são as próprias muretas, e conclui que, de maneira geral, estão cheias de erros e muito longe de sua concepção original.
“Se o motorista perde o controle na faixa da esquerda do Anel Rodoviário, por exemplo, e bate na mureta, a tendência do carro é subir no muro”, afirma o instrutor de direção defensiva da ALC Treinamento Rogério Mateus, apontando várias partes da mureta de concreto do anel com fortes marcas de pneu. “O que já vi de carro virado aqui, você não acredita. Aquilo que poderia ser uma batida simples e ficar só no prejuízo vira uma tragédia”, continua. Para Rogério, que há anos observa os acidentes ocorridos não só no Anel Rodoviário de Belo Horizonte, mas em diversos pontos do Brasil, o problema das muretas está na inclinação existente em sua base. Há alguns meses, Rogério procurou a equipe do caderno Vrum, percorreu com a reportagem o Anel Rodoviário e trechos de outras rodovias e mostrou as ciladas a que está sujeito o motorista, dando origem a esta série. O caderno foi além, pesquisou outros pontos e ouviu vários especialistas em segurança que foram comentando as situações.
No centro das discussões, a concepção das barreiras New Jersey (nome decorrente de sua origem, nos EUA/veja arte) que, apesar de dividirem opiniões, ainda são as mais usadas. Se construídas de acordo com as dimensões originais, o objetivo – além de evitar batidas de frente entre veículos que trafegam em sentido contrário e/ou de impedir a transposição de uma pista para a outra – é fazer com que o carro, ao colidir com o muro, suba levemente e deslize, voltando para a pista e retomando o curso normal. O grande problema é que, independentemente da discussão sobre o tipo de barreira mais adequada, não existe uniformidade nas muretas existentes nas rodovias pesquisadas, não sendo possível dizer que seguem o padrão New Jersey ou qualquer outro tipo.
DESACELERAÇÃO “A barreira tem que ter uma forma que facilite o deslizamento do veículo, minimizando a desaceleração e reduzindo a energia transferida aos ocupantes. Só que não pode ser uma inclinação excessiva, que induza o carro a subir e a romper as muretas”, avalia o engenheiro mecânico pós-graduado em engenharia de segurança do trabalho Decio Luiz Assaf, membro do Comitê de Segurança Veicular da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil). “O veículo bate a roda e é reconduzido à via. O objetivo é esse: subir um pouco, o que faz com que sejam reduzidas a velocidade e a força, e depois voltar”, continua o engenheiro civil, do trabalho e de segurança viária Eduardo Tondato. “Além disso, o material deve ser resistente. No caso das muretas do anel, eu sou um crítico da maneira como foram construídas. Não tem ferragem, não tem resistência a impacto. Na colisão, projeta pedaços de concreto para o lado oposto”, acrescenta.
O engenheiro civil e de segurança e professor do Cefet-MG Santelmo Xavier Filho acrescenta que quando há o impacto do veículo, com velocidade até cerca de 90km/h e grau de incidência (ângulo da batida) em torno de 15 graus, no máximo 20 graus, o veículo retorna à pista com velocidade menor. “Assim, a mureta cumpre o papel dela, mas desde que esteja nas condições ideais para as quais foi construída”, diz. “Em pequenas batidas, por exemplo, se o motorista perde o controle devido a um buraco ou aquaplanagem, deveria ser eficaz”, conclui. “Mas a barreira tem que seguir os padrões e não pode haver obstáculos para chegar até ela”.
Palavra de especialista
Geni Bahar
consultora de segurança de tráfego em estradas
Tema de estudo
As barreiras normalmente partem de um ângulo inclinado. Mas existe toda uma ciência por trás e foram feitos muitos testes e estudos. Depende do ângulo que o carro bate, da velocidade, da altura do veículo e da distância lateral. E também de como vai colidir com o muro. A ideia, ao fazer com que o carro suba um pouquinho, é diminuir a energia cinética de maneira que os ocupantes do veículo não recebam essa energia da pancada. Então o veículo sobe um pouco e é endireitado. Mas normalmente, onde trafega muito caminhão, os muros são mais altos, para que o veículo não atravesse para o outro lado da pista. A barreira colocada nos últimos 30 anos nos EUA, Canadá e Europa é a New Jersey, mas, recentemente, já estão pesquisando outras, mais retas. O assunto é tema de muitos estudos. E cada barreira tem seus prós e contras. Depende muito da geometria da estrada, do ângulo que os carros vão sair da pista. Mas ainda há muito o que ser verificado.
Análise da notícia
De que adianta a discussão?
Se nos países desenvolvidos o tipo de barreira mais eficiente é tema de estudos e testes constantes, no Brasil, se pelo menos houvesse uma decisão pelo um tipo de mureta a ser usado, já estaria bom. Para desenvolver esta série, a equipe de reportagem do caderno Vrum literalmente foi a campo, analisou os muros e conseguiu medi-los em vários pontos do Anel Rodoviário e em parte das rodovias pesquisadas (BRs 381, 262 e 040). O objetivo era ver se seguiam o padrão New Jersey, mas a grande surpresa foi constatar que não seguem padrão algum. Altura total, inclinação, espessura e até textura do chão: tudo muda e às vezes em questão de metros. Em muitos pontos, especialmente no anel, uma mureta ao lado da outra têm tamanho e desenho diferentes. Assim, fica impossível exigir que qualquer concepção de barreira de concreto desempenhe a função desejada e se comece a pensar em salvar vidas (PC).
Barreiras
Características e análise dos tipos para uso em rodovias e vias expressas
A barreira F de conceito mais recente que a New Jersey tem melhor desempenho devido à altura da primeira parte inclinada, de 25,5cm, ou seja, 75mm menor, o que diminui a tendência do veículo de subir muito em caso de impacto. O objetivo da superfície inclinada é propiciar que o veículo suba verticalmente (sem excesso), transformando parte da energia cinética de impacto em energia potencial e facilitando o giro e deslizamento do veículo lateralmente e na direção paralela à barreira. A barreira tipo F tem também um ângulo da parte superior mais vertical (84 graus) que o da barreira New Jersey (80 graus). O último desenho mostra uma terceira barreira desenvolvida pela New Jersey Turnpike Authority (NJTA) que, conforme o engenheiro especialista americano Charles F. Mcdewit, é atualmente a que apresenta a melhor performance. Ela tem a primeira parte inclinada idêntica à da barreira F, mas tem altura total maior (1,07m) e espessura da parte superior de 30cm, enquanto as anteriores têm espessura menor: de 15cm a 20cm.
Fontes: Decio Luiz Assaf, membro do Comitê de Segurança Veicular da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil)
e http://www.fhwa.dot.gov/publications/publicroads/00marapr/concrete.cfm