O militar Gileno Ferreira e a secretária Silvana Hott Ferreira entraram na concessionária Fiat Roma para comprar um Siena novo, mas a falta do carro fez com que o casal mudasse de idéia. "Fomos informados de que o Siena pode demorar uns 45 dias para chegar. Não conseguimos um nem para test-drive. Por outro lado, a concessionária tem o Punto para pronta entrega", diz Silvana, admitindo a possibilidade de levar o Punto em vez do Siena.
A situação do casal retrata a nova realidade do mercado de veículos zero, que há cerca de um ano vem sendo tomado por um aquecimento jamais visto no Brasil. A falta de carros para pronta entrega faz com que o consumidor tenha que esperar 30, 60 ou até 120 dias por um modelo, ou acabe levando outro automóvel, em muitos casos, bem diferente da opção imaginada. As concessionárias, por outro lado, passam a não ter mais preocupação com o tempo dos veículos em estoque, mas precisam administrar a pouca oferta.
"Hoje, 30% do que estou faturando já vendi há mais de 30 dias", afirma o gerente de vendas da Roma, Sebastião Carvalho. "A fábrica está praticamente em plena capacidade de produção e o cliente já está assimilando a idéia de entrar na fila para comprar um bom produto", avalia. Pelo menos em Belo Horizonte, a Fiat é uma das montadoras que pedem maior prazo de entrega, chegando a mais de 120 dias, em alguns casos. Praticamente todos os produtos da linha estão escassos e o que se compra com mais facilidade é a picape Strada e o Palio Weekend - que serão reestilizados em breve - e a linha Idea.
Ajustes
Para o gerente regional Fiat, em Belo Horizonte, Eduardo Monteiro Torres, o Brasil teve um crescimento rápido, o mercado se aqueceu como um todo e o momento é de ajustes por parte de montadoras e fornecedores, mas não se pode falar em falta de carros. "Havia uma demanda reprimida, o poder aquisitivo da população aumentou e houve um boom que ninguém esperava, mas isso está sendo ajustado", pondera. Ele afirma que, apesar da grande demanda, que conseqüentemente gera aumento de preços, existe um monitoramento no mercado das revendas Fiat, que não permite a prática de sobrepreço.
O diretor nacional de Vendas da General Motors do Brasil, Francisco Stefanelli, pondera que o crescimento do setor automotivo superou todas as expectativas e, por esse motivo, é necessária uma ação permanente em todos os elos da cadeia automobilística, para minimizar a demora acima do prazo normal na entrega de veículos. "Esperava-se uma estabilização do mercado no segundo semestre de 2007, mas isso não ocorreu. O setor registrou um expressivo crescimento em 2007, estabelecendo novo recorde de emplacamentos no país. E as vendas começaram fortes neste primeiro bimestre de 2008, prenunciando um novo crescimento para este ano. A GM, por exemplo, fechou 2007 com seu recorde histórico de vendas no país, com quase 500 mil unidades".
Troca
"Na falta de um Fiesta hatch, a opção do consumidor passa a ser o sedã, e vice-versa. Ou, ainda, na falta do Fiesta, acaba levando um Focus", diz o gerente da Ford BH For, Aloísio Campos Moreira Júnior. Ele conta que 43% dos consumidores que entram na loja, hoje, procuram o Ka; 31%, o Fiesta; 15% o EcoSport; 5%, o Focus; e o restante, outros modelos. Mas a situação se inverte na hora da compra: com a grande dificuldade de entrega do novo Ka, apenas 33% resolvem entrar na fila de espera para o modelo; 47% optam pelo Fiesta; 12% pelo Focus; e 15% pelo EcoSport. "No caso da Ford, acho até que estamos conseguindo atender essa demanda maior de mercado. Mas, de maneira geral, posso dizer que um ano atrás o consumidor entrava na loja e comprava o que queria; hoje, muitas vezes leva o que há", continua. O estoque da revenda que, antigamente, dava para um mês hoje é suficiente para 14 dias.
"Muitas vezes, o cliente vem aqui para comprar um 206 Presence e não temos para pronta entrega. Mas, pagando R$ 2 mil a mais, ele pode levar um 206 SW. Então muda de idéia", acrescenta o gerente comercial da Peugeot Bordeaux, Francisco Albuquerque Neto.
Europeu
A opção por outro carro, no entanto, não é o que faz a maior parte dos consumidores, na opinião do gerente de Varejo e Trade Marketing da Volkswagen do Brasil, Renato Bernardes. Segundo ele, isso até acontece em alguns casos, como um universitário que acabou de ganhar o carro dos pais e as aulas já estão começando. "Dependendo da necessidade, o cliente leva outro carro, talvez diferente do que imaginava", diz. "Mas acho que o que estamos passando é por uma nova mudança de comportamento do consumidor brasileiro, parecido com o do europeu: ele desenha o carro que quer, com os opcionais que quer e aguarda", completa.