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Luiz Lucena de Sousa - Defesa das vítimas de trânsito

Dificuldades vão desde o reembolso do seguro obrigatório à reinserção na sociedade

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Acidente com a filha estimula batalha de Luiz no trânsito

Curitiba - O trabalho de orientação às vítimas de trânsito começou há mais de 10 anos, durante a luta para recuperação da jovem Valéria Ribeiro de Sousa, atropelada por uma motocicleta em 1992. Depois de sentir na pele todas as dificuldades por que passam as vítimas de acidentes no Brasil, desde problemas com assistência médica até a negativa de reembolso do seguro obrigatório, o pai de Valéria, Luiz Lucena de Sousa, fundou a Assistência à Vítima de Trânsito (AVT), em Tupã (SP). Durante o Fórum Volvo de Segurança no Trânsito, realizado em Curitiba, ele falou ao caderno Veículos sobre o trabalho que faz de educação para o trânsito e assistência às vítimas, em todo o Brasil.

Como foi o acidente com sua filha?
Ela tinha 17 anos, dois meses de casada e havia mudado para uma pequena cidade do Mato Grosso. Ela e o marido estavam atravessando a rua quando foram atropelados por uma moto Yamaha 350 cm³, em alta velocidade. Eles não tiveram cuidado na travessia. O motociclista estava sem capacete e bateu a cabeça na cabeça dela,  quebrando o pescoço e morreu na hora. Ela foi levada para o hospital local, mas não recebeu o atendimento adequado. O médico disse que era inútil lutar pela vida dela. Fui até lá e a trouxe, de avião, para Marília (SP), que fica a 75 quilômetros de Tupã. Ela foi atendida, mas a equipe médica deu o mesmo parecer. Ela ficou 85 dias respirando por aparelhos e oito meses hospitalizada. Eu a trouxe para a Santa Casa de Tupã e continuei em busca de solução. Soube que no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, tinha tratamento. Ainda estava inconsciente, praticamente em estado vegetativo e precisaria ficar 30 dias em observação. Acabou não dando certo. Mas depois descobri um tratamento em São Paulo, de oxigenação, para quem sofre esse tipo de acidente. Era o problema dela: falta de oxigenação no cérebro. Depois que a pessoa sofre um acidente, se não for socorrida rapidamente, a falta de oxigênio vai provocando a morte das células. Minha filha ficou um ano e meio em estado vegetal, mas, com esse tratamento, foi-se recuperando.

Hoje ela tem uma vida normal?
Não, ela ainda está em recuperação e isso faz quase 14 anos. Ela ficou com problema de audição e de coordenação motora, mas tem muita vontade de viver. Porém, não tem como ter uma vida normal. Teve que se divorciar e eu estou sempre lutando para a inserção dela na sociedade. É muito difícil. As pessoas, nessa situação, são abandonadas. Aliás, eu trabalho muito isso. Levo a Valéria comigo nas palestras que faço. Ela conversa com as pessoas. Fala coisas que as faz quererem viver de novo.

Como é o trabalho da associação?

Fundei-a há mais de 10 anos e, nesse período, já atendi mais de 2,5 mil pessoas diretamente. Achamos meios de mandar buscar as pessoas que estão em situação crítica. Quando é o caso de óbito, damos assistência também, inclusive jurídica. Há advogados que trabalham comigo. Conheço muitas pessoas, tenho muitos contatos, viajo muito. Fazemos isso em todo o território nacional.

Mas como vocês ficam sabendo dos acidentes?
As pessoas me procuram. Então, ligo para o hospital ou vou pessoalmente. Podemos conseguir transporte da vítima para outro hospital, se precisar. Passamos todas as informações à família sobre como agir não só diretamente no hospital com relação aos trâmites burocráticos, mas damos orientação em relação ao tratamento e informações jurídicas. Há sete anos, tive uma experiência recompensadora. Um menino de Tupã foi estudar no Japão, sofreu um acidente e estava abandonado lá. Pedimos ajuda da imprensa e deu certo. Entramos em contato com o Ministério do Exterior e conseguimos que fosse dada assistência por uma equipe médica.

Seu trabalho funciona bastante por meio de contatos, não é?
Sim. A imprensa aqui de Tupã me ajuda muito. Nesse caso do Japão, foi feita uma campanha, pedindo ajuda no tratamento. É um trabalho amplo que fazemos, eu e minha família. E, particularmente, a Valéria. Ela é uma injeção de ânimo nas pessoas. Fiquei surpreso com muita coisa que ela já falou para vítimas de trânsito. As pessoas começam a reagir. Vêem o quanto é gratificante sobreviver.

Dentro do trabalho de assistência, o senhor orienta quanto ao recebimento do seguro obrigatório?
Sim, mas isso é muito complicado porque 5% do que é arrecadado com o seguro obrigatório tem que ser para campanhas educativas de trânsito. Esse dinheiro fica com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e o cidadão não tem conhecimento do que é feito com ele. Tudo tem que ser repassado. Eu estou, inclusive, fazendo uma campanha, porque considero o segundo obrigatório um crime de estelionato. São milhões de reais arrecadados por ano e não se gastam R$ 200 mil com vítimas de trânsito. Há muita corrupção. Estou fazendo uma campanha e gostaria que Belo Horizonte entrasse nessa. Quero recolher 5 mil assinaturas.

No caso da sua filha, o senhor recebeu o seguro obrigatório?
Não. Veja só, há muita coisa que tem que ser corrigida. O Boletim de Ocorrência (BO) tem que ser muito claro para não gerar dúvida, senão eles não pagam. E há muita falha por parte do poder público. No caso da minha filha, havia rasuras no BO e não aceitaram. Estou nesse meio e vejo muitos erros. As pessoas que estão na fiscalização não têm estrutura para o trabalho. Outro problema está no Instituto Médico Legal (IML), que faz laudos para os casos de invalidez e morte. Mas, principalmente, nos casos de invalidez, a maioria passa por cima dos direitos da vítima. Não relatam a seqüela devidamente, então o seguro não paga. Por exemplo: a pessoa quebra uma perna, que fica 15% mais curta ou torta. Se isso não estiver evidente no laudo, o seguro não paga. Venho trabalhando no sentido de se fazer uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para se investigar o seguro obrigatório. Tem que ser desvinculado de uma central só. O ideal é que cada estado administrasse os seus acidentes e depois repartisse por regiões. Outra coisa: quem arrecada é o governo e os delegados, nos Detrans, só liberam o licenciamento dos veículos mediante o pagamento, dentre outras coisas, do seguro obrigatório. Mas quem fica com o dinheiro e reparte é uma empresa particular, a Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização (Fenaseg). Entrei com pedido de esclarecimento na Procuradoria da República, sobre a arrecadação da Fenaseg. Temos que saber o emprego desse dinheiro, que é do contribuinte.

O senhor também escreveu um livro para vítimas de trânsito…
O livro conta toda minha história desde a negligência médica no hospital no Mato Grosso. Também falo sobre direção preventiva e defensiva, primeiros socorros, uso de extintor em caso de incêndio e até sobre esse tratamento para oxigenação que minha filha fez em São Paulo e pouca gente conhece.

O senhor também tem projetos de educação para o trânsito?
Vários. Um deles é teatral. Visto uma fantasia de macaco e pego as pessoas de surpresa pela rua. Se pego alguém atravessando de qualquer jeito, levo para cima da calçada e dou orientações. Também falo sobre as faixas de retenção que a maioria dos Centros de Formação de Condutores omite. Defendo que sua pintura seja obrigatória e em amarelo, pois o veículo que fica atrás da faixa jamais vai se envolver em acidente num cruzamento. Dá muito mais segurança.

(*) Jornalista viajou a convite da Volvo do Brasi