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Incentivo à insegurança

Na teoria, modelos populares podem vir equipados com airbags e freios ABS. Porém, encontrar esses automóveis disponíveis no mercado é missão praticamente impossível

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VW Gol é o carro mais vendido no país, mas comprar versão de entrada com ABS e airbag é difícil

 

Salvo pelo airbag depois de um grave acidente em 2002, o empresário Gabor Deak sentiu na pele a importância dos dispositivos de segurança nos automóveis. Desde então, seus critérios de escolha ao comprar um carro mudaram. Hoje, Gabor e sua família só compram automóveis equipados com freios ABS e airbag. “Antes do acidente eu não dava a mínima importância para esses equipamentos de segurança, mas fui salvo pelo airbag e, desde então, na minha garagem só entra carro com esse equipamento”, completa.

Atualmente, muitos já pensam como Gabor, mesmo que não tenham passado por nenhuma situação de risco. É fato a popularização do airbag e do ABS, mas ainda há certa dificuldade de exigir os equipamentos de segurança ao comprar um carro popular, mesmo que a montadora disponibilize os itens no catálogo como opcionais. “Tive dificuldade quando fui comprar um carro popular para o meu filho, pois exigi que ele viesse com airbag e nesse segmento está mais difícil”, explica Gabor.

Nossa reportagem percorreu cinco concessionárias na Grande Belo Horizonte. Em nenhuma delas havia modelos 1.0 equipados com airbag e freios ABS para entrega imediata.

 

A repórter Ana Cristina Pimenta conta mais sobre o descaso com a segurança. Veja no vídeo abaixo:

 

JOGO DE EMPURRA Em uma revenda Volkswagen, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, procuramos um Gol 1.0 com o sistema de antitravamento dos freios e bolsas infláveis. O vendedor foi enfático. “Nunca vi essa versão do Gol com airbag e ABS, mas se você faz questão, podemos fazer o pedido e a entrega será daqui a três ou quatro meses”. Para não perder a venda, o consultor da concessionária ofereceu outras opções com entrega imediata, como o Gol Power 1.6 por cerca de R$ 38 mil. “Ele não tem airbag nem ABS, mas já vem com faróis de neblina, frisos cromados, acabamento de nível superior e o motor é bem melhor”, argumenta o vendedor. Questionado sobre a razão de não ter o modelo procurado em estoque, o funcionário explica que não é vantagem para a concessionária fazer estoque de Gol 1.0 tão equipado, pois o preço aumenta. A outra opção oferecida por ele foi um Fox Prime equipado com os dispositivos mencionados, mas o modelo é quase R$ 8 mil mais caro do que o Gol.


Na mesma região procuramos um Ford Ka com airbag. Na concessionária, o vendedor joga conversa para boi dormir. “Não vale muito a pena, pois em alguns casos o airbag pode machucar o ocupante. Um amigo sofreu um acidente e acabou se ferindo com a abertura da bolsa”. O consultor emenda dizendo que um carro para o uso diário, como o Ka, não é conveniente equipar com os itens pedidos. “Aqui nós vendemos 50 modelos Ka por mês, todos com motor 1.0 e sem airbag”, completa.

Do outro lado da cidade, em uma concessionária Fiat na região da Pampulha, chegamos com a intenção de comprar um Palio Fire Economy completo, inclusive com o Kit High Safety Drive (HSD), que inclui ABS e airbag. Além de dizer que nunca vendeu Palio com essa configuração, o vendedor incentivou a compra do veículo sem os itens de segurança ao afirmar que Palio Fire com airbag e ABS é ruim de revenda, pois podem achar que é carro de empresa. Ao ser questionado se realmente é vantagem comprar um Palio sem as bolsas infláveis e freios antiblocantes, o vendedor responde com um sonoro ‘sim’. “Esse carro não chega para a gente, mas se chegasse acho que venderia, pois sempre tem alguém que prioriza a segurança”, explica o vendedor. Na Fiat é possível comprar o kit HSD por R$ 2.489, mas o prazo de entrega que a concessionária pede não é nada animador: 30 a 40 dias. Por isso, os vendedores oferecem o que já existe no estoque.

É preciso ter paciência e esperar longo tempo para adquirir Fiat Palio 1.0 com ABS e airbag



A Fiat informou que 4% das unidades do Palio Economy, que saem da fábrica estão equipados com airbag e ABS. Da linha do Novo Uno, são 3%. A montadora afirma que só não aumenta a produção de carros com esses itens porque não há procura.

SEGURANÇA INVERTIDA Quando nacionalizou o Clio, em 1999, a Renault oferecia o airbag duplo de série desde a versão de entrada. Isso virou até estratégia de publicidade da francesa, pois o veículo poderia não vir nem com travas elétricas, mas o equipamento de segurança era item de série. Doze anos depois, a história é bem diferente. O Clio em quase nada mudou, mas o airbag não é disponível nem como opcional. Já o hatch Sandero e o sedã Logan podem vir com as bolsas infláveis opcionalmente.

Quem também não oferece itens de segurança nem como opcionais do modelo de entrada é a General Motors. Um Celta completo chega a custar até R$ 37 mil, mas esse valor não dá direito aos freios ABS nem a airbags. Ainda na GM, o Meriva, carro de categoria superior, quando escolhido com motor 1.4 só oferece airbag como opcional na versão mais simples, a Joy. O consultor de vendas da concessionária Chevrolet explicou que quem quiser um Meriva mais completo e faz questão do airbag terá que comprar uma versão ainda mais cara, só disponível com motor 1.8 e câmbio automatizado Easytronic, que custa R$ 3 mil a mais.

O perfil de consumo do brasileiro também é culpado pela baixa oferta de carros com itens de segurança. Em todas as concessionárias pesquisadas, os consultores confirmaram que itens de conforto e estéticos, como ar-condicionado, aparelho de som e rodas de liga leve, são mais procurados do que o conjunto airbag/ABS, mesmo que o valor dos itens de segurança seja mais atrativo.

Renault Clio tinha airbag duplo de série na época do lançamento. Hoje, nem como opcional