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Flex adaptado - Mentira eletrônica

Kits de conversão de gasolina para flex ganham verniz mais sofisticado para impressionar. Mas adaptação de motores é cara e vai além da troca do chip

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Mudar central eletrônica não transforma carro em flex

Após o lançamento do primeiro carro flex, o Gol 1.6, em abril de 2003, outras montadoras se apressaram em apresentar modelos bicombustíveis. Mas não foram apenas os fabricantes. Não demorou muito a aparecerem os ‘kits de conversão’, vendidos pela internet a partir de apenas R$60. Essas maquininhas eletrônicas prometiam a transformação do carro a gasolina para flex sem prejuízo no funcionamento. Algumas podiam até ser instaladas pelo próprio dono, desde que seguisse o manual de instruções.

Com o crescimento exponencial do mercado para os bicombustíveis, cada vez mais conversores surgiram. Os kits ganharam um verniz mais profissional, e até o preço aumentou. Um dos mais recentes, chamado de DualFlex, tem página na internet, instaladores autorizados e dinheiro suficiente para anunciar com regularidade nos maiores jornais do país.

No setor de atendimento ao consumidor, o atendente, chamado Felipe, explica que a instalação deve ser feita por um mecânico autorizado. Como não há oficinas credenciadas em Belo Horizonte, ele indica o telefone em São Paulo de um autorizado que possui uma outra loja na capital mineira e poderia fazer o serviço. O preço é de cinco parcelas de R$99.

O atendente também recomenda a troca do filtro de combustível, e que o carro seja levado a um centro de inspeção veicular para homologar a troca de combustível, permitindo a mudança do documento junto ao Detran. Ele explica que o sistema lê os gases do escapamento, identifica a mistura e por meio de um chip muda a vazão do combustível nas válvulas (bicos) injetoras. Quanto mais álcool na mistura, mais combustível será enviado para os cilindros, pois tem menos poder energético do que a gasolina. Sobre a corrosão, explica que os carros nacionais já são resistentes porque a gasolina nacional tem álcool na mistura.

Muito solícito, Felipe informa até o telefone de um centro de inspeção veicular na região de Campinas. Aparentemente, tudo muito correto, mas não é bem assim.

Corrosão

Marcelo Brandão, chefe de engenharia da Bosch, que produz sistemas flex para montadoras, confirma que o motor que usa a gasolina brasileira é mais resistente à corrosão, mas informa que motores que usam 100% de álcool sofrem ainda mais adaptações. Além da maior quantidade do combustível, o álcool combustível contém água, o que aumenta o poder de corrosão.

Outras diferenças estão nas bombas injetoras de combustível, adaptadas à maior pressão do álcool, isso sem falar nas velas e outros componentes. “Até seria possível adaptar um carro a gasolina, mas a troca ficaria muito mais cara. Na verdade, um motor flex é muito mais parecido com um motor a álcool do que com um a gasolina.”, esclarece Marcelo.

Um item que não pode ser alterado com kits é a taxa de compressão. Cada motor tem a sua taxa ideal, mas normalmente o álcool necessita taxa maior. Por esse motivo, num flex adaptado, dependendo da proporção de cada combustível, a queima vai ser incompleta. Além de diminuir o rendimento, aumenta o nível de emissões.

Marcelo Brandão questiona inclusive a inspeção para mudar a documentação do veículo. “Testamos alguns destes kits. Em todos os casos os carros estavam fora das normas antipoluição. Além disso, laboratórios de emissões são muito caros. Não existem em centros de inspeção. Em Minas só há dois. Até mesmo algumas montadoras menores não dispõem dos equipamentos e terceirizam seus testes,” afirma. Além de ser um tiro no próprio pé, instalar esses kits de conversão deixam o carro fora-da-lei e prejudicam os outros.