Tarifa de cadastro, seguro, ressarcimento de terceiros, gravame eletrônico, promotora de vendas. Tudo isso e muito mais pode estar embutido na taxa de juros cobrada pelo banco, quando se financia um carro. Assim, uma taxa de 1,3% ao mês, por exemplo, pode ultrapassar os 2%, conforme o prazo e o valor financiado. A tão apregoada taxa 0% obviamente não existe. O carro pode ser financiado sem juros, mas não sem os diversos encargos incluídos no financiamento. Todas essas tarifas e encargos compõem o chamado Custo Efetivo Total (CET), estabelecido pelo Banco Central (BC) em dezembro de 2007, com vigência a partir de março de 2008, e que deve estar expresso em todas as transações de financiamento desde então. Na prática, trata-se de uma taxa total, que reúne todos os encargos, além dos juros, e deve estar expressa para que o consumidor tenha consciência do valor que incide sobre sua prestação como um todo. Além disso, cada encargo cobrado deve ser especificado e o BC também estabeleceu que tarifas são (ou não) devidas. Tudo na mesma época, mas só atualmente as medidas começam a surtir maior efeito.
Uma das principais mudanças está ligada à proibição de cobrança da Tarifa de Abertura de Crédito (TAC), não incluída no novo ranking de tarifas estabelecidas pelo BC. Por outro lado, permitiu-se a cobrança da Tarifa de Cadastro (TC) que, na prática, acabou substituindo a TAC. Seu valor costuma variar de R$ 300 a R$ 800, conforme o banco, e é só mais um encargo a incidir na prestação e a compor o CET. Assim como os valores, os encargos cobrados também variam de banco para banco. No caso das operações de Crédito Direto ao Consumidor (CDC), ainda é cobrado o Imposto Sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro (IOF).
"O tiro saiu pela culatra. Depois do fim da TAC, a situação piorou bem, com a cobrança de muita coisa absurda, inclusive o repasse de serviços de terceiros", afirma o assessor jurídico do Procon Assembleia, Renato Dantês. “Gravame, comissão de vendedor, tudo isso é repassado", continua. Para o advogado, embora muitas das cobranças tenham sido legalizadas pelo BC, se feitas de forma abusiva, afrontam o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e podem ser questionadas. "A TC, por exemplo, não pode ser cobrada de acordo com o valor a ser financiado, pois o cadastro será sempre o mesmo", observa.
Transparência
"A TC é o custo que cada instituição cobra pela locação da linha de crédito. E varia de instituição para instituição. Mas cada banco submete o valor máximo a ser cobrado ao Banco Central, que autoriza", afirma o diretor de Financiamento de Veículos do HSBC, Sergio Cipovicci, garantindo que o valor é fixo, não variando conforme o montante financiado. Para ele, a exigência do CET veio com espírito de dar mais transparência para o consumidor. "O preço do carro era X, ele deu o usado de entrada, financiou R$ 20 mil, mas o valor devido passou a ser de R$ 22 mil. Por quê? Foi enganado? Não. Ele vai saber de todos esse encargos: TC, IOF, vistoria etc.", explica. "O consumidor agora toma conhecimento de tudo o que está sendo cobrado e pode concordar ou não. Como a cobrança varia de banco para banco, pode pesquisar até chegar na menor prestação", continua.
Para facilitar mais, Cipovicci acrescenta que falta apenas uniformização. "Cada concessionária trabalha com quatro ou cinco bancos e cada um usa o seu modelo de CET. Agora, está em análise no Banco Central um novo CET, que seria a uniformização do que é cobrado", diz. A informação não foi confirmada pelo BC, mas, de acordo com o executivo, além disso, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) estuda a possibilidade de criar um espaço na internet para que cada banco discrimine as tarifas e/ou encargos a serem cobrados. "Ficaria mais fácil para o consumidor comparar", pondera.
Encargos
A vistoria é cobrada por algumas instituições financeiras para financiamento de veículos usados. "Algumas abrem mão, conforme o revendedor. Mas, de maneira geral, é preciso saber se o carro não tem multas, impostos atrasados etc.", explica Cipovicci. Outra cobrança diz respeito ao gravame eletrônico, lançamento que é feito pelas instituições financeiras nos sistemas dos Detrans e, ainda, em alguns estados (segundo Cipovicci, não é o caso de Minas Gerais), há cobrança de registro de contrato. Nas operações de CDC incide o IOF e nas de leasing, o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), que muitas vezes é pago pela revendedora.
Terceiros
Há, ainda, várias opções de seguros, que não são obrigatórias, mas, muita vezes, acabam sendo lançadas sem o consentimento do consumidor: os mais comuns são o prestamista, que permite a quitação das parcelas em caso de morte, e o de proteção financeira, para situações em que o dono do carro perca o emprego, por exemplo. Curioso também é o lançamento, dentro do CET, do ressarcimento do serviço de terceiros, ou seja, que não diz respeito (pelo menos teoricamente) à remuneração do banco, mas de terceiros como as já citadas vistorias, serviços de cartórios e até remuneração (ou comissão) do vendedor do carro. Veículos teve acesso a um contrato em que se cobra, ainda, quase R$ 200 para promotora de venda.
Com tudo isso, a inocente taxa de juros de pouco mais de 1% ao mês e 15% ao ano pode ultrapassar os 2% ao mês e 30% ao ano, depois da composição do CET. Um gerente de concessionária alerta para o fato de que, quanto menor o prazo e menor o valor financiado, maior será o CET, por causa de todos esses agregados. Ele acrescenta, contudo, que o financiamento de veículos ainda dispõe da menor taxa de juros do mercado, sendo um bom negócio, desde que o consumidor saiba adequar a prestação ao bolso.
Proibição
Foram proibidas a cobrança das tarifas de quitação de contrato antecipado e de boleto bancário.
Serviço
A obrigatoriedade do CET foi estabelecida pela Resolução 3.517, de dezembro de 2007. Com ela, vieram as resoluções 3.516, que vetou a cobrança de tarifa em decorrência de liquidação antecipada, e 3.518, que disciplinou a cobrança de tarifas pelos bancos, de um modo geral. Já a tabela com as tarifas está discriminada na Circular 3.371, que trata, porém, somente das tarifas (sem mencionar os encargos possíveis). No site do Banco Central, é possível encontrar todas as normas, além de esclarecimento minucioso no campo "Serviços ao Cidadão/Perguntas mais frequentes".
Financiamento - Que juros estou pagando?
Taxa total é bem maior que a anunciada porque incidem tarifas e encargos. Composição é tão complicada que concessionárias preferem negociar em cima do valor da prestação