Como se não bastasse o "pedido" de tomar conta, também faz parte do achaque do flanelinha ao motorista que estaciona em área destinada à cobrança de rotativo (faixa azul) a venda do talão e, quase sempre, já preenchido. Travestida de imediata comodidade - e até de uma forma de evitar multa, já que um fiscal de trânsito pode aparecer no intervalo entre o estacionamento do veículo e a compra da folhinha -, aceitar a oferta do tomador de conta pode se tornar um grave problema. Na edição de 27 de fevereiro, Veículos mostrou o drama do motorista José Filho (*), que, ao ser autuado por um agente da BHTrans, descobriu que seu talão de rotativo havia sido adulterado. Ele tentou de diversas formas fazer a ocorrência para provar sua inocência, não conseguiu e ainda soube que poderia ser acusado de falsificação. No entanto, há solução para situações como a de José Filho, assim como possibilidades de evitar a arapuca.
Tipos
O gerente de estacionamento rotativo da BHTrans, Sérgio Rocha, explica que há dois problemas: o da falsificação, que é mais sério, e o da adulteração. "A falsificação é quando a pessoa reproduz o rotativo em gráficas de fundo de quintal. E os fiscais conseguem identificar porque no talão original há marcas de segurança. Mas há mais de dois anos não vejo nenhum caso", diz. Rocha conta que o crime ocorreu com maior freqüência em 2003 e 2004, quando apareceram muitos talões falsificados, em especial nas regiões Central, hospitalar e Avenida Álvares Cabral. A BHTrans fechou o cerco na tentativa de descobrir a origem dos talões e houve, inclusive, um acordo com a Polícia Militar, mas ninguém foi pego.
Já a adulteração vem sendo mais comum - embora já tenha havido incidência maior -, mas não há registros de sua freqüência. "O talão adulterado é o verdadeiro, que é remarcado. A pessoa preenche com essas canetas que apagam e depois usa a folha novamente. A maioria das canetas deixa vestígios e o fiscal consegue pegar. Mas agora existe uma, que é mais precisa, e isso está nos preocupando, pois você consegue apagar deixando pouquíssimos vestígios", observa. Segundo o gerente, um dos indícios é a tonalidade da tinta, mas a sutileza é grande.
Rocha explica que, ao constatar a adulteração, a primeira providência do agente deve ser chamar a Polícia Militar: "Eles costumam esperar o dono do carro chegar e o conduzem até a delegacia, pois, até que se prove o contrário, é ele quem está usando o talão adulterado". No campo administrativo, a ordem é multar, pois se parte do pressuposto que o motorista está sem talão. Assim, o gerente é claro: o motorista só deve comprar o talão de rotativo nos postos credenciados, até porque paga menos pela folha.
Ocorrência
A visão da delegada Adriana de Barros Monteiro, do 3º distrito de Polícia Civil, que acompanhou o caso de José Filho, é menos perversa para com o condutor. Ela explica que há, sim, como fazer uma ocorrência, que dará origem a um inquérito de estelionato. E nem sempre o motorista é visto como o adulterador. "In dubio, pro reu" (em caso de dúvida, a favor do réu), diz. A delegada também não tem estatísticas de adulteração de talões e conta que o caso de José Filho foi o segundo que acompanhou.
Mas ela afirma que há como o motorista se defender, inclusive por meio de um exame grafotécnico no talão. "Colhemos o padrão do motorista e encaminhamos para exame, junto com o talão. Se foi ele mesmo quem adulterou, há como saber. E, se não foi, também há como comprovar que não foi ele quem preencheu", afirma. Nesse caso, porém, fica a dúvida sobre quem preencheu, a não ser que seja encontrado o flanelinha que vendeu a folha.
E foi essa a sorte de José Filho. Depois de consultada por Veículos, em fevereiro, a Polícia Civil admitiu erro em não aceitar a ocorrência do motorista e o encaminhou exatamente ao 3º distrito, ficando o caso sob responsabilidade de Adriana Monteiro. Ela conta que foi instaurado inquérito e localizado o flanelinha, que confessou ter vendido e preenchido o talão que estava no carro de José Filho. Assim, o motorista está isento de qualquer responsabilidade criminal.
Incoerência
Mas a mesma sorte ele não teve com a BHTrans, já que sua defesa não foi acolhida. Resta, agora, fazer um novo recurso, pedindo deferimento na Junta Administrativa de Recursos de Infrações (Jari). Segundo a BHTrans, o motivo de indeferimento da defesa foi o fato de a argumentação usada ser pertinente a julgamento na Jari, não sendo competência da instância de defesa da autuação. Burocracia que poderia ser evitada diante de tantas evidências.
Dicas
Como Sérgio Rocha, Adriana Monteiro avalia que o melhor é comprar o talão nos locais credenciados pela BHTrans. Mas, se não for possível, ela aconselha: "O ideal é o motorista preencher e com a própria caneta. Antes deve verificar se não há nenhuma marca na folha, que possa indicar já ter sido preenchida e apagada, pois, quando passam a borracha, há uma diferença na textura da folha".
(*) Nome fictício.