Sem saída. Ao estacionar seu veículo na Rua Tenente Brito Melo, no Bairro Santo Agostinho, região Centro-Sul de Belo Horizonte, o motorista José Filho aceitou comprar o talão de rotativo de um flanelinha, que já o entregou preenchido. Enquanto esperava a esposa, foi surpreendido por um fiscal da BHTrans, que o autuava. Ao indagar o motivo da multa, foi informado de que o talão estaria adulterado. "O agente pediu que eu pegasse o talão e me disse que os números haviam sido apagados, o que indicava remarcação. Procurei o rapaz que havia me vendido a folha, mas não o encontrei. Havia sumido", lembra o motorista, que nem chegou a pagar a folha de rotativo, pois havia negociado o pagamento para a volta.
Via-sacra
Orientado pelo próprio agente da BHTrans, o motorista ligou para a Polícia Militar (190), para fazer uma ocorrência. "Perguntaram se o flanelinha ainda estava lá, mas quando eu disse que não falaram que não poderiam mandar uma viatura ao local. Por coincidência, passava um rapaz na hora, que se identificou como militar e ainda tentou me ajudar, mas não adiantou", conta. José Filho foi, então, orientado a procurar o distrito de Polícia Civil mais próximo, no caso, no Terminal JK. De onde foi mandado para o Detran-MG, unidade da Avenida João Pinheiro. Chegando lá, nova orientação: "De lá me mandaram para o setor de perícias da Polícia Civil, que fica na Avenida Augusto de Lima. Fui muito bem atendido e constataram que o talão, de fato, havia sido adulterado".
O motorista conta que então percebeu que a situação se agravava. "Disseram que era melhor eu não fazer nada, pois, se fizesse uma ocorrência, produziria prova contra mim. Então fui embora e não sei mais o que fazer", afirma, indignado.
Erro
De acordo com a Polícia Civil, o motorista agiu corretamente e o primeiro local a ser procurado nesses casos é o distrito da área, em que deve ser registrada ocorrência e o caso segue para investigação no instituto de criminalística. A assessoria da Civil admite que ele recebeu informação equivocada no momento em que procurou o distrito no Terminal JK, pede desculpas e afirma que ele deve voltar ao local para fazer o registro, pois é imprescindível esse tipo de reclamação na tentativa de coibir a prática de adulteração. Além disso, um exame grafotécnico no talão pode ajudar o motorista a provar que não foi ele quem preencheu a folha.
Já o comandante da 1ª Cia. de Polícia de Trânsito da Polícia Militar, major Roberto Lemos, diz que o ideal é não comprar o talão na rua, dando preferência aos estabelecimentos comerciais credenciados. É também o próprio motorista quem deve preenchê-lo. "É comum, inclusive, o usuário deixar a folha e a chave do carro com o tomador de conta, que só coloca quando vê um fiscal. Muitas vezes pode pôr um talão que já foi usado", alerta. "No caso em questão, a situação do motorista é complicada, pois, se o talão estava dentro do veículo dele, presume-se que a adulteração foi feita por ele. E isso é crime. O cidadão, de vítima, passa a ser réu", continua. Outro perigo, ainda de acordo com o major, é entregar a chave do carro ao tomador de conta, que, muitas vezes, nem tem carteira e acaba manobrando o carro. "A pessoa faz na boa-fé, mas também é crime entregar a direção a um inabilitado", adverte. De acordo com o major, a PM, juntamente com a prefeitura, está intensificando a fiscalização no que diz respeito aos flanelinhas.
Mais caro
De mesma opinião é o gerente de estacionamento rotativo da BHTrans, Sérgio Rocha: "Na capa do bloco do talão, inclusive, orientamos o usuário a só comprar o rotativo nos postos de venda credenciados. Até porque, além do risco de adulteração, o tomador de conta cobra mais pelo talão". Segundo Rocha, se o usuário tem costume de usar, pode até identificar adulteração. A maioria das pessoas, no entanto, não consegue. Ele acrescenta, ainda, que, caso o motorista precise se deslocar alguns metros para comprar o talão, o agente é orientado a ponderar a situação antes de multar.
No caso específico de José Filho, ele diz que o motorista pode até tentar recorrer da multa, anexando a folha de rotativo, mas a comprovação da adulteração só complica. "Para nós, isso é caso de polícia", resume. Para a advogada Luciana Mascarenhas, especialista em trânsito, é possível tentar um recurso, mas o motorista deve reunir a maior quantidade de provas possível, buscando provar a inocência.
Consultado, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores, Lavadores, Guardadores e Manobristas de Carro (Sintralamac), Martim dos Santos, diz que a prática não é comum: "Não tenho conhecimento de casos de adulteração de talão por lavador de carro. Eles não têm interesse, pois sabem que terão que responder por isso. Muitas vezes acontece de o próprio dono do veículo, por desconhecimento, usar o talão mais de uma vez. Mas não estou dizendo que seja o caso". Martim dos Santos se propôs a ir até o local apontado por José Filho, na tentativa de encontrar o flanelinha em questão e desvendar o caso.