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Entrevista/Luís Flora - Não basta arrecadar

Associação de trânsito discute rodízio, estacionamento rotativo e recursos de multas

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Flora acusa Jaris de tribunais arbitrários

Fundada em 20 de julho de 2005, em São Paulo, a Associação Nacional de Trânsito (Anatran) nasceu da demanda freqüente de motoristas com dúvidas e reclamações em torno das questões de trânsito. Uma das lutas mais recentes está na Justiça, contra a prefeitura de São Paulo, na tentativa de melhorar a sinalização das áreas de rodízio, cuja falta de informação prejudica não só quem mora na cidade, mas, principalmente, motoristas que chegam de outros estados e acabam caindo na área delimitada para o rodízio e sendo multados, conforme mostrou Veículos na edição de 20 de agosto. A arbitrariedade das Juntas Administrativas de Recursos de Infrações (Jaris) no Brasil e a imposição dos estacionamentos rotativos são outros assuntos abordados pelo diretor de Relações Institucionais e Jurídicas da associação, Luís Flora.

Como surgiu a Anatran e quais são as principais atividades?
Foi fundada por Rogério Caetano de Mello, atual presidente. Surgiu de tanto ouvir reclamações das pessoas em torno das questões de trânsito. Eram dúvidas que não eram esclarecidas pelos municípios, dúvidas sobre recursos etc. Aliás, uma preocupação grande é que os tribunais mais arbitrários que existem no Brasil são as Jaris. Começa porque o agente tem fé pública e é você que tem que provar que não estava errado. É totalmente o inverso, por exemplo, do Código Penal, em que o estado tem que provar que você cometeu o crime. No caso do trânsito, é você que tem que provar que não cometeu a infração ou, por outro lado, assumir que cometeu, mas arranjar uma justificativa plausível para isso. Bom, então, a partir das demandas da sociedade, a Anatran começou a propor campanhas de trânsito, workshops, congressos para discutir a segurança no trânsito. Também buscamos responder a consultas de cidadãos de todo o Brasil. E temos os associados, que pagam uma anuidade, conforme o plano, para receber orientação, recursos de multas etc. O valor vai depender do plano, mas qualquer um pode se associar.

Que tipo de dúvida é bastante freqüente?
Por exemplo, sobre o estacionamento rotativo. A cobrança é legal? Porque fica a impressão que é só arrecadatório, já que muitas vezes a rotatividade não existe. As pessoas vão trocando os talões e fica por isso mesmo. Aqui em São Paulo há situações absurdas, em bairros onde há prédios mais antigos e sem garagem, em que o morador tem que pedir autorização - que é temporária - para estacionar na porta da casa dele.

Uma dúvida comum, neste sentido, é com relação à pontuação para esse tipo de infração, pois quem pára numa área de rotativo, sem o talão, pode estar cometendo uma irregularidade, mas está efetivamente estacionado em local permitido?
Exatamente. É diferente de uma infração de trânsito. Você não está num local proibido, atrapalhando a fluidez do trânsito. Só não pagou o cartão. Então é um tipo de penalidade em que, muitas vezes, as pessoas concordam com o pagamento da multa, mas discordam da pontuação.

Qual é a principal alegação da Anatran no que diz respeito ao rodízio?
A falta de sinalização. O processo teve início no ano passado. A Anatran constatou que, em São Paulo, não havia sinalização adequada e, ao mesmo tempo, era enorme o número de multas por causa do rodízio. A área delimitada é muito grande. O que chamamos de Centro Expandido, ou seja, não é só o Centro, mas também uma grande área que dá acesso ao Centro. Nós, que somos de São Paulo, não sabemos de cabeça toda a área do rodízio sem um mapa, imagine quem é de fora e vem a São Paulo ou está de passagem. E agora, com o Renainf (sistema de integração, que permite o envio de multas entre os estados), as multas chegam mesmo. Então a Anatran ajuizou a ação na Fazenda Pública de São Paulo, citando o artigo 80 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que menciona a sinalização ao longo das vias, sempre que necessário. É o que queremos. Que a cidade seja sinalizada adequadamente quanto às regras do rodízio: região, dias e placas, caminhos alternativos.

E qual é a situação, hoje, desta ação?
O juiz acatou nosso pedido e deferiu uma liminar, dando 30 dias para a prefeitura iniciar a sinalização. Eles tentaram derrubar a liminar e não conseguiram, mas recorreram novamente ao tribunal (segunda instância), alegando que 30 dias é um prazo curto para a confecção das placas, e aí foram atendidos. A liminar foi cassada e voltou-se para a apreciação do mérito. Em agosto, mais de um ano depois, o juiz propôs uma composição, um acordo entre as partes, mas o procurador que foi representar o município não estava a par do assunto. Então o juiz sugeriu que fizéssemos uma proposta de sinalização para sugerir à Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Apresentamos e tudo está agora nas mãos do juiz para a decisão. Neste meio tempo, também foi pedido o parecer do Ministério Público, que foi favorável ao nosso pedido. Agora, é interessante o seguinte: quando é para haver uma licitação para a colocação de mais radares, fazem da noite para o dia; já para a sinalização, tudo é complicado. E verba existe, porque só com o que arrecadam com multas de rodízio já daria para pagar a sinalização.

Em síntese, o que a Anatran propõe neste projeto?
Que, a princípio, comecem a sinalização dos limites, das regiões de entrada nas áreas de rodízio, entradas e saídas das marginais. Placas, pelo menos 500m antes, avisando do rodízio, as placas e dias em que podem circular e as saídas alternativas.

Em entrevista ao caderno Veículos, a CET disse que não há alternativas, só depois da construção do Rodoanel?
é uma resposta de indignar. O Rodoanel vai desafogar o tráfego em diversas regiões, mas usar esse argumento não tem o menor sentido. As alternativas existem fisicamente, o problema é que a engenharia de tráfego em São Paulo é muito complicada. Às vezes você tem que andar cinco, seis quarteirões para retornar à mesma rua. E outro problema é que essas saídas não são sinalizadas. Agora, são caminhos bem mais longos, é preciso contornar a área de rodízio, mas tem que ser dada a opção ao motorista.

Qual a opinião da Anatran sobre a lei seca e o provável aumento nos valores das multas?
Somos favoráveis a tudo que reduz os acidentes, que está sendo o caso da Lei Seca. Quanto aos valores das multas, infelizmente há situações em que é preciso pesar no bolso para as leis serem cumpridas. Mas esse é um assunto que merece ser mais discutido.