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Drogas ao volante: uma das causas dos acidentes no Brasil

Levantamento do SOS Estradas aponta que a obrigatoriedade do exame toxicológico fez cair o uso de drogas nas estradas, mas também a renovação de CNHs

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O Brasil registra diariamente milhares de acidentes envolvendo caminhões e ônibus, resultando em mortos e feridos
O Brasil registra diariamente milhares de acidentes envolvendo caminhões e ônibus, resultando em mortos e feridos Foto: O Brasil registra diariamente milhares de acidentes envolvendo caminhões e ônibus, resultando em mortos e feridos

Precisamos falar sobre o uso de drogas ao volante nas estradas e, por que não, nas ruas das cidades brasileiras. Diariamente, são registrados acidentes gravíssimos, muitas vezes com mortes, fazendo o Brasil encabeçar o ranking dos países que matam mais pessoas no trânsito do que outros que estão em guerra.

De acordo com Rodolfo Rizzotto, coordenador do SOS Estradas, a obrigatoriedade do exame toxicológico, a partir de 2016, fez com que o número de usuários de drogas ao volante caísse. Contudo, a entidade constatou, também, que houve redução na renovação das carteiras de habilitação (CNH), indicando que muitos motoristas trabalham em situação irregular.

O SOS Estradas é uma entidade que reúne pessoas que colaboram com ideias para reduzir o número de acidentes nas estradas brasileiras. São médicos, peritos, engenheiros e até vítimas de acidentes que usam suas experiências com o intuito de reduzir a tragédia diária no trânsito brasileiro. Atualmente, além de focar no uso de drogas ao volante, a entidade faz campanha para conscientizar motoristas de caminhão sobre a obrigatoriedade e correta utilização do cinto de segurança.

Rodolfo Rizzotto revela que conviveu por muitos anos com motoristas de caminhão e ônibus, por isso tem conhecimento de que o uso de drogas ao volante é um problema sério no Brasil. A entidade que ele representa fez estudos sobre o uso de drogas nas estradas, constatando a gravidade do problema. Porém, a exigência do exame toxicológico foi uma vitória para os envolvidos nessa “guerra”, embora não tenha eliminado o problema.

Para Rodolfo, o uso de drogas ao volante está diretamente relacionado à rotina dos profissionais do transporte de carga e passageiros do país. Ele relembra que o caminhoneiro passa mais tempo dentro da cabine de seu caminhão do que em casa com a família. “São profissionais que são diariamente pressionados a fazerem entregas das cargas o mais rápido possível. Por isso, acabam usando drogas para sobreviver, para suportar a jornada”, afirma.

Fiscalização nas rodovias anel rodoviário polícia prf
Para Rodolfo Rizzotto, a fiscalização nas estradas brasileiras é insuficiente para inibir o uso de drogas ao volante

O coordenador do SOS Estradas conta que muitas esposas de caminhoneiros procuraram o Ministério Público para pedir ajuda, alegando que tinham um “morto-vivo dentro de casa”, se referindo aos maridos esgotados pelo trabalho exaustivo e prejudicados pelo uso constante de drogas ao volante para suportar a jornada.

E, de acordo com Rodolfo, o problema não está restrito somente a caminhoneiros, mas também aos profissionais que trabalham no transporte de passageiros. “O revezamento na direção por dois motoristas no ônibus não é solução nas viagens longas. Eles não têm como descansar, pois não há cama dentro do ônibus. É uma situação absurda”, afirma o coordenador do SOS Estradas..

Efeitos do exame toxicológico para quem usa drogas ao volante

Uma medida importante adotada para tentar reduzir o problema das drogas ao volante foi a obrigatoriedade do exame toxicológico a partir de março de 2016. Mas com a pandemia da COVID-19, a exigência do exame foi suspensa e voltou a ser obrigatória em janeiro deste ano.

O exame toxicológico detecta os dependentes químicos de drogas e é obrigatório para motoristas habilitados nas categorias C (caminhões, caminhonetes e vans de carga), D (ônibus, micro-ônibus e vans de passageiros) e E (trailers, treminhões e ônibus articulados). Sem ele, o condutor não consegue fazer procedimentos como adição, mudança, reabilitação ou renovação da CNH nessas categorias. Além disso, está sujeito a multa de R$ 1.467,35 e ainda perde o direito de dirigir por três meses.

Rodolfo Rizzotto revela que desde que foi estabelecida a obrigatoriedade do exame toxicológico, em 2016, a renovação de CNHs nas categorias C, D e E caiu significativamente. Ele informa que em 2015, cerca de 13 milhões de motoristas foram habilitados nessas categorias no Brasil, mas em 2021 esse número caiu para 11,4 milhões.

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“Se a tendência de crescimento nas habilitações registrada em 2011 tivesse sido mantida, teríamos cerca de 15 milhões de habilitados em 2021, o que não aconteceu. Foram cerca de 3,6 milhões de novos habilitados a menos no ano passado. Muitos são motoristas que já sabem que o exame toxicológico vai dar positivo, portanto não vão gastar dinheiro com isso”, explica Rodolfo.

De acordo com o coordenador do SOS Estradas, os motoristas que deixam de usar drogas fazem o exame e normalmente o resultado é negativo. Estudos mostraram que entre 2015 e 2019 houve uma queda de cerca de 60% no uso de drogas detectado entre motoristas. Rodolfo revela 67% eram usuários de cocaína, 21,7% de opióides, 5,8% de rebite e 5,4% de maconha.

“Mas muitos ainda apresentam alto índice de drogas. Eles usam anfetaminas, que são vendidas como drogas, mas que não aparecem no exame”, revela. Entre 2015 e 2017, a exigência do exame toxicológico resultou em redução de 34% nos acidentes com caminhões, e 45% com ônibus.

Transporte clandestino acolhe quem não faz o exame

Rodolfo revela que o transporte clandestino de passageiros e carga virou o reduto dos motoristas que não têm a CNH renovada por não ter o exame toxicológico em dia. Ele afirma que muitos dirigem sem habilitação e com resultado positivo no exame. “Alguns acabam sendo descobertos, mas a fiscalização é insuficiente. E vale lembrar que o motorista que é pego dirigindo alcoolizado tem direito a recurso. Para o exame toxicológico não cabe recurso”, informa.

Ele acrescenta que, apesar de a maioria dos motoristas ser a favor do exame toxicológico, muitos ainda continuam fazendo uso de drogas ao volante. Cerca de 63% dos condutores habilitados na categoria D, que inclui vans, ônibus e micro-ônibus, apresentaram positivo para cocaína no exame.

“São motoristas que trabalham em áreas urbanas e muitos estão dirigindo sem habilitação, já que não estão em dia com o exame. Pior ainda são os motoristas de aplicativos, que, além de usuários, passam a fazer entrega de drogas para outros usuários”, revela Rodolfo.

Rodolfo lembra que quando começou a ser exigido, em 2016, o exame toxicológico custava R$ 316 ao motorista. Atualmente, são R$ 160. Ele lamenta que a falta de comunicação das autoridades com os motoristas, notificando que o exame toxicológico está por vencer é fator importante na renovação das CNHs. “O Brasil tem atualmente menos motoristas nas categorias C, D e E do que em 2011” afirma.