Marinella Castro, do Jornal Estado de Minas
O recall anunciado este mês pela montadora Ford, envolvendo no Brasil mais de mil unidades da marca Volvo, traz à tona uma discussão que envolve riscos à vida e à segurança do consumidor. Somente este ano já são mais de meio milhão de veículos convocados em 29 chamados (recall), dos mais variados fabricantes, para correção de defeitos que vieram da fábrica. Desde 1994, os recalls já atingiram no Brasil 7,2 milhões de unidades, entre veículos leves, caminhões e motos. Como várias publicações ocorreram sem a divulgação do número de envolvidos, estima-se que o volume seja ainda maior do que o apontado pela estatística. O mais grave, contudo, é que cerca da metade desses consumidores nunca respondeu ao chamado das montadoras: são mais de 3,6 milhões de veículos rodando no país com algum grave defeito de fábrica.
Depoimento de montadoras sobre o tema e um levantamento do site Estradas.com, realizado a partir de publicações oficiais, revelam que no Brasil apenas 50% dos motoristas costumam atender as convocações. O baixo índice de adesão do brasileiro preocupa e já existe na Câmara dos Deputados projeto de lei que propõe revisar o formato das publicações, além de movimento das entidades de defesa do consumidor. "É perigoso o fato de o brasileiro não atender os chamados. No Brasil, quando a montadora realiza o procedimento, é porque o defeito é realmente grave e pode expor os consumidores a riscos de acidentes", aponta o presidente da Associação Brasileira de Consumidores (ABC), Danilo Santana. Segundo ele, no caso de reparos menores, a correção é realizada durante o período de revisão. "Nesses casos, geralmente é feito um Termo de Ajustamento de Conduta entre montadoras e concessionária. Assim, a falha é corrigida sem que o defeito chegue ao conhecimento do consumidor."
Independentemente de o veículo ter sido comprado em uma concessionária ou adquirido de terceiros, o recall deve ser realizado. "No Brasil, o consumidor não comparece porque não entende a gravidade do problema e não sabe do risco que corre", diz Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Pro Teste, entidade de defesa do consumidor. Segundo ela, a reivindicação é que os anúncios sejam publicados de forma direta e menos técnica para que a mensagem seja de fato percebida. "As publicações devem ser claras, e inclusive, alertar o consumidor que o que está em risco é a sua segurança, de sua família e de terceiros."
Caso faz 10 anos
No país, o primeiro caso de acidente provocado por falhas na fabricação do veículo, com o reconhecimento público da responsabilidade pela montadora, está completando 10 anos. Izaltino Teodoro de Almeida Filho, mineiro de Mariana, Região Central do estado, morreu aos 29 anos devido a uma falha do cinto de segurança de sua picape Corsa, da General Motors (GM). O dispositivo não funcionou em uma batida entre as cidades de Ouro Preto e Mariana. Izaltino era técnico de laboratório, recém-casado e uma espécie de anjo da guarda de crianças portadoras de deficiência. A irmã da vítima, Sandra de Almeida, estava no banco de passageiros do carro, mas não sofreu ferimentos. "Na época do acidente, ficamos muito transtornados. Os diretores da fábrica vieram até aqui, trocaram o carro e nos fizeram uma proposta de indenização. Decidimos aceitar, porque não queríamos ir à Justiça. Hoje, tenho dúvidas se a nossa decisão foi a mais acertada", lembra Sandra.
Na época, a indenização à esposa da vítima correspondeu a US$ 200 mil, e parte do dinheiro serviu para comprar o lote onde hoje funciona a Casa Lar Estrela, trabalho social iniciado por Izaltino. "Depois da morte do meu irmão, grandes empresas da região contribuíram para a construção da casa", completa Sandra. O caso do mineiro deu origem ao maior recall já realizado no Brasil, com a convocação de 1,3 milhão de veículos, diz Rodolfo Rizzotto coordenador do SOS Estradas, referindo-se ao chamado da GM para reforço dos trilhos dos bancos dianteiros, na região dos cintos de segurança. O segundo maior recall foi realizado recentemente pela Volkswagen do Brasil para instalação de componentes adicionais ao mecanismo de rebatimento do banco traseiro de todos os veículos Fox, Cross Fox e Space Fox, fabricados a partir de 2004, envolvendo 500 mil carros.
"Temos milhões de veículos correndo por aí, colocando em risco a vida de seus proprietários e de terceiros. Além de não fazer o recall, o consumidor ainda vende o carro atingido pela medida", completa Rizzotto. Para ele, ao comprar um carro, o motorista deveria ser avisado do recall por fazer. "Só depois disso, o licenciamento deveria ser liberado", defende. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) preferiu não comentar o assunto.
O que diz o código
Art. 10 - O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.
1º - O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários.
2º - Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço.
3º - Sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios deverão informá-los a respeito.
O que você tem que saber
Quando um veículo é listado por um recall, o consumidor-proprietário deverá entrar em contato com o fornecedor ou dirigir-se ao local indicado no anúncio público, para que seja realizado o reparo ou a troca da peça defeituosa, sem qualquer ônus ou limite de prazo
Para saber se seu veículo tem um recall para fazer, basta acessar o site do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), www.mj.gov.br. No site, podem ser feitas pesquisas de acordo com a marca e modelo do produto. Existem também informações sobre as campanhas realizadas
Fonte: DPDC
Assunto chega ao Congresso
O formato de comunicação dos recalls no Brasil vai ser alvo de uma audiência pública na Câmara dos Deputados em 4 de novembro. A ideia é buscar alternativas para mobilizar o consumidor, já que falta de informação é considerada um dos principais motivos da ausência dos motoristas aos chamados das montadoras. Segundo o deputado federal Hugo Leal (PSC/RJ), relator da Lei Seca e responsável pela organização do debate, a intenção é modificar a forma de operação dos recalls que, além das publicações na mídia, ganharia espaço no banco de dados dos departamentos de trânsito. "Nossa proposta é que o número de chassi dos carros listados para recall sejam enviados também ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Ao procurar os órgãos de trânsito para realizar a vistoria, o consumidor deve ser avisado que só terá o veículo licenciado depois de fazer o recall", defende.
O publicitário Wanderson Maia fez, por acaso, o recall de seu carro Fiat. Ele conta que percebeu um problema no volante, que estava descascando, e levou o veículo para a oficina. "Chegando lá, o mecânico me informou que aquilo se tratava de um defeito de fábrica e que eu podia corrigi-lo gratuitamente na concessionária." Segundo Wanderson, se não fosse o alerta do reparador, ele teria pago para corrigir o defeito. "Acho que os recalls não chamam atenção. O comunicado deveria seguir o mesmo modelo das propagandas, ser divulgado várias vezes", sugere.
Os defeitos de simples correção (que não envolvem riscos) também deveriam ser alvo de publicações, na opinião do coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto. "Esses recalls tornariam o processo mais transparente para o consumidor, já que o tema envolve a segurança do próprio motorista e também de terceiros", alerta.
Antes de comprar um carro da marca Toyota, o engenheiro de automação Ricardo Mayrink foi proprietário de um modelo Fiat. Ele não tem ideia se o seu atual carro importado já foi alvo de um recall, mas tem quase certeza que o modelo anterior esteve em uma lista publicada pela montadora. "Nunca parei para pensar nesse assunto e confesso que nem sei o que fazer para descobrir se devo fazer um recall. Acho que o primeiro passo seria ligar para a concessionária", arrisca. Na opinião do consumidor, no Brasil as publicações não chegam a chamar a atenção, o que faz parecer que o assunto não é urgente ou tão importante. "Sei que nos Estados Unidos as empresas enviam uma carta para o endereço do proprietário do veículo. Acho que aqui deveria ser feito da mesma forma", pondera. (MC).
Consumidor - Falha de recall gera riscos
Metade dos donos de veículos não comparece à revisão por não tomar conhecimento do anúncio. Resultado: quase 4 milhões de carros estão rodando com algum defeito no país