“Deixe de rodar com gasolina e converta seu carro facilmente para rodar com etanol”. A frase, presente num dos maiores sites de comércio eletrônico do país, é tentadora. A descrição do produto anunciado, porém, só aparece depois. Trata-se de um conversor popularmente conhecido no Brasil como chip flex, que, segundo a publicidade, é fácil de instalar e pode ser adaptado na maioria dos carros. Para funcionar, basta que o próprio interessado instale, “na garagem de casa ou na rua”, o chip entre os bicos injetores e o módulo de injeção eletrônica, por meio de conectores. A entrega é feita via Correios mediante pagamento de R$ 120 e caso haja problema o atendimento é garantido, desde que seja por e-mail e em horário comercial.
Se você ficou interessado no chip depois de ler esse anúncio, cuidado. A conversão de um carro movido a gasolina ou etanol para flex requer muito mais que a simples troca de um módulo na injeção eletrônica e depois de realizada esconde consequências ao motor e ao bolso do proprietário do carro.
A primeira delas é a perda da garantia de fábrica, o que contradiz publicidades do tipo. A segunda consequência é a total falta de controle na emissão de poluentes, alerta o engenheiro do comitê de veículos leves da SAE Brasil, Waldemar Christofoletti. “A maioria dos chipeiros, pessoas ou empresas que fazem esse tipo de conversão, não tem preocupação alguma com o ser humano e muito menos com o meio ambiente. Ou seja, não segue regra na fabricação do conversor”, esclarece o engenheiro, que já viu exemplos de chip flex que não alteraram em nada o funcionamento do motor, limitando-se a reproduzir o sinal da sonda lambda ao injetor de combustível, e ressalta as diferenças de converter em flex motores movido a gasolina e a etanol. “Um motor a etanol tem bomba de combustível pronta para suportar o combustível derivado da cana-de-açúcar, que é mais corrosivo e úmido. No motor a gasolina, a bomba não está pronta para receber etanol”, afirma Christofoletti.
Além da bomba, outros componentes em contato com a água (contida no etanol hidratado) podem também se oxidar.
Outro problema na “conversão” para flex é a falta do tanquinho de gasolina para partida a frio. Quando a temperatura cai abaixo de 12 ou 13ºC, o motor dificilmente começa a funcionar com o etanol. A menos que se misture 20% de gasolina.
MAIOR CONSUMO A visão de Christofoletti é a mesma do gerente de desenvolvimento de produto da Volkswagen, Roger Guilherme. O especialista em injeção eletrônica atenta para o aumento de consumo com a instalação do chip flex, o que vai totalmente contra o desenvolvimento de uma unidade de comando de uma montadora, que geralmente leva de 18 meses a dois anos. “Depois disso, o motor passa por uma fase homologação. Dificilmente o consumo será mantido, pois além de as peças de um motor a gasolina não admitirem álcool, a vedação de válvulas será perdida, destruindo o cabeçote do motor. A bomba de combustível irá corroer e pode parar de funcionar com até 5 mil quilômetros”, alerta Guilherme.
Mas o risco da gambiarra inclui uma série de outros componentes. Entre eles estão injetores e filtro de combustível, boia do tanque de combustível e sonda lambda. “Perde-se praticamente metade do motor, acrescenta o gerente da Volkswagen.
POTÊNCIA Existem também os chips de “repotenciamento”, que anunciam maior desempenho do carro. Eles interferem nos parâmetros estabelecidos pelo fabricante no sistema de injeção e podem até acrescentar alguns cavalos ao motor, porém aumentam também – e muito – o consumo e a emissão de gases poluentes. Problemas convenientemente não mencionados na publicidade do chip.
O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO
De acordo com a Resolução 25 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), mudanças no uso de combustível só podem ser feitas quando o proprietário:
1 - Obtiver Certificado de Segurança Veicular (CSV) expedido por empresa credenciada junto ao Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualificação (Inmetro), conforme regulamentação específica
2 - Providenciar no Detran ou outro órgão executivo de trânsito alteração no campo de observações do Certificado de Registro de Veículos (CRV) e do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículos (CRLV) com a expressão “veículo modificado”, assim como os itens alterados e a nova configuração de combustível
Obs: O número do Certificado de Segurança Veicular (CSV) deverá ser inserido nos dados cadastrais do veículo no sistema de Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam), da Base de Índice Nacional (BIN), em campo próprio.