Os modelos chineses começaram nos mercados internacionais com o “pneu” esquerdo, sendo alvo de desconfiança antes mesmo do desembarque. Sentimento que ganhou corpo depois dos crash tests dos sedãs BS6 e BS4, da Brilliance, em 2007 e 2009, respectivamente, pelo Allgemeiner Deutscher Automobil-Club (Adac), Clube do Automóvel Alemão. Enquanto o BS6 levou só uma estrela, sendo considerado completamente inseguro, o BS4 ficou com conceito ainda pior: zero. A marca, que também fabrica BMWs em joint-venture na China, está prestes a desembarcar aqui por meio da CN Auto, que já importa as vans Towner e Topic. Inicialmente, será vendido o hatch FRV Cross, mas estão nos planos o sedã FSV e o Splendor, que nada mais é do que o BS4.
Os crash tests da Adac usam as regras do Euro NCAP, New Car Assessment Programme (programa independente de testes de carros novos). No impacto frontal, 40% da frente colide contra uma barreira deformável a 64km/h. A velocidade da batida lateral é de 50km/h, enquanto o atropelamento simulado é feito aos 40km/h. Recursos como ABS ou duplo airbag frontal são de praxe. Os pontos são dados de acordo com itens mais sofisticados, como controle eletrônico de estabilidade ou airbags laterais e do tipo cortina.
PROPAGANDA Passar no Euro NCAP com cinco estrelas serve como excelente ferramenta de marketing. Oportunidade que não foi perdida pela MG, marca britânica agora nas mãos da Shanghai Automotive Industry Corporation (Saic). Ao exibir o MG 550 Turbo por aqui, no ano passado, a representante MG Motors do Brasil ostentou com orgulho a nota máxima no Euro NCAP. Só que o modelo jamais passou pelo teste. “O único veículo chinês que o Euro NCAP testou até agora foi o MPV Landwind CV9, que ficou com duas estrelas”, corrige Marie Brasseur, gerente de comunicação do Euro NCAP. “Realmente, o Roewe 550 não passou pelo Euro NCAP. O modelo conseguiu cinco estrelas no China NCAP. Mas deverá passar pelo teste este ano, quando será vendido na Inglaterra”, admite Márcio Munaro, diretor de Marketing da MG do Brasil.
Não é a mesma coisa. “Na prática, o mesmo veículo pode marcar cinco estrelas em um NCAP e quatro no outro por conta das regras e do sistema de pontuação”, explica Marcelo Bertochi, Diretor da Comissão Técnica de Segurança Veicular da SAE Brasil, Sociedade dos Engenheiros da Mobilidade. No China NCAP, a velocidade de impacto frontal é de 56km/h, contra 64km/h das edições europeia, latina, sul-coreana e australiana do NCAP. Pode parecer uma diferença pequena, mas não é. “A fórmula de cálculo da energia cinética tem dois fatores: massa e velocidade, sendo que a velocidade é elevada ao quadrado. Com um pequeno acréscimo de velocidade, a energia gerada e os danos são muito ampliados”, explica Bertochi. O que explica o fato de o mesmo Brilliance BS4 reprovado pela Adac ter obtido razoáveis 30,7 pontos e três estrelas no China NCAP.
Quando a legislação nacional de segurança entrar em vigor, em 2012, serão obrigatórios os testes de impacto frontal e traseiro para homologação de novos carros. Automóveis que já estão nas ruas terão que atender às regras em 2014. Serão testes frontais a 56 km/h. Normalmente, os institutos independentes têm regras mais rígidas, que servem de padrão para os consumidores e o governo, ainda que sem força de lei.
ATRASO Não há prazo para o alinhamento entre os diferentes NCAPs, nem em relação ao China NCAP ou ao Latin NCAP. Segundo Michiel van Ratingen, secretário-geral do instituto, “a razão se dá pelas prioridades de segurança locais, diferentes frotas, economias, políticas e investimentos. O desenvolvimento histórico desigual torna bem difícil e praticamente impossível alinhar os atuais NCAPs”. Isso cria um descompasso, como bem prova o Geely Ck 1.3. O sedã feito pela dona da segura Volvo, levou zero no Latin NCAP. Resultado negativo mesmo comparado a outros carros testados, como Fiat Palio, Peugeot 207 e Volkswagen Gol também sem airbags, que levaram uma solitária estrela na proteção do motorista. Contudo, o China NCAP testou outra versão do CK, com bolsas infláveis, que ficou com 28,6 pontos, ou duas estrelas. Tal como as regras, o veredito foi diferente. Segundo comunicado do próprio Latin NCAP, “instalar airbags não melhoraria a proteção, já que a integridade estrutural não é boa”.
As regras mais brandas não foram suficientes para aprovar com louvor outros chineses importados para cá. Foi o caso do sedã médio Lifan 620, que ficou com três estrelas, uma média de 33,4 pontos de 50 possíveis. O menor 520 não chegou à metade disso, com 16 pontos, ou duas estrelas. O Haima Family, com chegada prevista para o segundo semestre, obteve 32,3 pontos, ou três estrelas.
QQ A revista russa Autoreview, que faz crash-tests sob as regras do Euro NCAP, testou um QQ em 2006. O hatch, que chega essa semana ao Brasil, saiu-se mal, ainda mais sem ABS ou airbags, itens de série no QQ 1.1 importado para cá. Segundo os resultados, o motorista tem grandes chances de sofrer traumas no crânio, pescoço e tórax. Como comparação, o Daewoo Matiz, sul-coreano que serviu de inspiração ao QQ, foi testado pelo China NCAP na versão produzida por lá, pela Chevrolet em conjunto com a Saic (a mesma dos MGs), e ficou com 27,2 pontos, graças ao duplo airbag. Dentro da própria casa, o médio A3/Cielo foi bem melhor no China NCAP, com 45,3 pontos, ou cinco estrelas, nota máxima que começa a ser obtida por outros modelos chineses, como foi o caso do compacto Geely LC, primo não reconhecido do Toyota Aygo. Prova que há espaço para evolução, mesmo dentro de casa.