Mês de fevereiro, início da manhã de uma quarta-feira, trânsito tumultuado em Belo Horizonte. Diante de uma pedestre que quase pára no meio de uma rua movimentada, o comerciante Gabriel Ferreira exclama dentro de seu Fiat Palio: "Que vontade de dar uma buzinada na orelha dessa mulher". O comerciante contém o ímpeto, respira fundo, espera pacientemente a senhora resolver que direção tomar e segue em frente. Mas milhares de outros motoristas, diariamente, não reagem da mesma forma e, desvirtuando o sentido da buzina, adotam o equipamento como forma de extravasar os mais fortes sentimentos de raiva, impaciência e, muitas vezes, imprudência.
No trânsito caótico das grandes cidades, buzina serve para tudo: xingar, cumprimentar, paquerar e até como campainha, diante da casa de alguém. Pelo artigo 41 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), no entanto, estão previstas apenas duas possibilidades de uso da buzina e, mesmo assim, desde que em toque breve: para fazer as advertências necessárias, a fim de evitar acidentes, ou quando for conveniente advertir a condutor que se tem o propósito de ultrapassá-lo. Porém, nesta última situação, somente fora das áreas urbanas. Além disso, o artigo 227 prevê multa de R$ 53,20 e perda de três pontos na carteira para quem usar a buzina: em situação que não a de simples toque breve, como advertência ao pedestre ou a condutores de outros veículos; prolongada e sucessivamente a qualquer pretexto; entre 22h e 6h; em locais e horários proibidos pela sinalização (próximo a hospitais, por exemplo); em desacordo com os padrões e freqüências estabelecidos pelo Contran (Resolução 35/98), como sons de mugidos ou de sirene.
Multa
"O assunto é interessante porque a via pública já é usada de maneira muito estressante e o motorista, muitas vezes, não se comporta de maneira educada. E isso se manifesta na buzina. É como se o motorista estivesse brigando", analisa a gerente de Apoio Operacional da BHTrans, Mônica Mendes. Ela reforça que a buzina só deve ser usada em situações de alerta de um pedestre distraído, por exemplo, ou outro veículo na iminência de uma batida. Mesmo assim, basta um toque. Apesar do número aparente de infrações cometidas na capital em relação à buzina, a BHTrans tem registro de menos de 1% de autuações nesse sentido. Segundo Mônica, isso de deve à dificuldade de o agente ter certeza sobre a origem da buzina. "A ordem é, na dúvida, não autuar e, como é difícil constatar com exatidão qual veículo emitiu a buzina, há poucas autuações", explica.
Não empurra carro
Atitude é chata e em vão para 77% dos motoristas participantes de enquete feita pelo caderno de Veículos do Estado de Minas
Em diversos pontos da cidade, Veículos ouviu 70 motoristas e 54 disseram não ter o hábito de usar a buzina ou fazê-lo somente em situação de emergência, como ao levar fechada ou diante de pedestre distraído. O restante, no entanto, admitiu buzinar nas mais diversas situações, inclusive sem razão. O motivo de impaciência mais citado foi "chamar a atenção de motorista que dorme no sinal". Mas praticamente todos - 66 - disseram se sentir incomodados com as buzinadas dos outros. Pesquisa também foi realizada pelo portal Vrum, em que votaram 1000 internautas: 55,1% disseram buzinar em situações de emergência; 24,4%, quando outro motorista faz alguma trapalhada; 6% para chamar alguém (como campainha); 6,8% em qualquer situação; e 7,7% afirmaram não buzinar nunca.
"Você sabe qual é o menor espaço de tempo do mundo? É aquele que existe entre o sinal abrir e um imbecil buzinar", brinca o gerente comercial Vítor Dumond. "Buzina não empurra carro, não faz o trânsito andar", continua ele, dizendo se sentir incomodado com o barulho do equipamento. "Eu buzino muito, principalmente com o trânsito congestionado. Xingo também. Sou bem estressadinho", admite o motorista Reinaldo de Oliveira, revelando o outro lado da moeda.
Sexo oposto
Na batalha do trânsito, a famosa guerra dos sexos vai além do lugar-comum. "Eu não tenho o hábito de buzinar. Mas noto que as mulheres têm tendência maior a fazer isso. Não é machismo e nem tenho nada contra as mulheres, mas acho que elas ficam inseguras e buzinam forte para se auto-afirmarem", diz o funcionário público José Carlos de Souza. "Eu não buzino. Acho uma chatice, uma falta de educação. Mas acho que os homens aproveitam quando vêem a mulher ao volante para buzinar em cima. Por causa do meu trabalho, ando muito, e já passei várias vezes por situações assim", garante a estilista Andréa Marques. "Acho que tem gente que atrás do volante se transforma", completa.
"Buzino só quando há necessidade. Por exemplo, se há uma mulher devagar na faixa da esquerda", continua o auxiliar administrativo Dalton Colen, que não se embaraça quando indagado se não o faz diante de um homem devagar na faixa da esquerda: "Claro, buzino também. E não me incomodo com a buzina dos outros, se estiverem buzinando certo".
Opiniões
"Eu buzino, às vezes. Por exemplo, no sinal, se há um motorista distraído, dou um toque", Délio de Oliveira Campos, taxista.
"Detesto buzina. Acho até falta de educação. Onde moro, escuto quando o pessoal começa a buzinar na rua. É um inferno", Carolina Bellico Fonseca, administradora de condomínio.
"Não uso buzina. Aliás, acho que deveria ter campanha proibindo. É estressante", Marcos Alves da Silva, taxista.
"Quando o pessoal buzina muito me assusta", Joson Barbosa da Silva, motoboy.
"Buzina não resolve", Alda de Fátima, técnica de enfermagem.
"Não uso e tenho raiva de quem usa", Orlando Tomé, taxista.
"Eu evito buzinar, pois sei que amola", Felipe Meireles Campos, taxista.