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Blade Runner: o futuro faz 30 anos

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Cada período histórico rende imagens diferentes do futuro. Algumas se tornam tão populares que transcendem a época em que foram projetadas. É o caso de Blade runner, ficção científica que completa 30 anos de lançamento este mês. O filme dirigido por Ridley Scott fez história não apenas pelo enredo como também pela sua construção sonora e visual. E poucos colaboraram tanto para essa imagem de futuro quanto o designer Syd Mead, que ficaria famoso por criar veículos e ambientes para essa e outras produções clássicas. Dedicamos o Rolimã ao artista plástico e algumas de suas criações.

TRÂNSITO NUNCA MAIS O detetive Deckard (Harrison Ford) e os outros membros da força policial não se preocupam muito com o conturbado trânsito da Los Angeles de 2019. Isso porque eles são privilegiados e se locomovem em veículos voadores batizados de Spinners. O mais curioso era a alta tecnologia que serviu de base aos dois modelos funcionais usados no filme: tratava-se de carros construídos sobre a base do Volkswagen Fusca, incluindo o motorzinho boxer refrigerado a ar. Isso tem explicação simples: um motor desse tipo tem a vantagem de não ferver mesmo depois de ficar ligado horas no set, além de ser compacto e não interferir nas formas externas. Bem, se ultraleve voa com essa mecânica, por que não usá-la em um carro do futuro?

FROTA FUTURISTA No futuro noir de Blade runner, os Spinners não estão sozinhos nas ruas. Gene Winfield, responsável pela construção dos veículos para Mead, fez nada menos do que 25 carros no total. Entre compactos de linhas retilíneas e portas do tipo "Casa de gaivota", alguns modelos eram mais ousados. Caso do Armadillo (Tatu), criado para o personagem de J.F. Sebastian (William Sanderson). Trata-se de uma furgoneta com cockpit de um lado. O estilo industrial faz parte da estética cyber punk, que surgiu naquele período. Ela é divulgada amplamente na internet, como o desenho do artista plástico Tez, que reproduziu o Tatu em detalhes. Syd já aplicou essa criatividade na indústria automotiva no início.

BANHEIRAS DO AMANHÃ Nascido nos Estados Unidos em 1933, o desenhista industrial entende do riscado, tendo trabalhado para a Ford no início de sua carreira e aberto seu próprio estúdio em 1970. Se os carros de Blade runner parecem bem diferentes dos modelos de produção, outras pinturas e desenhos do artista são semelhantes à fauna mecânica das ruas americanas. É o caso deste grande sedã futurista retratado no livro Sentinel, de 1976, cujo trecho de vinil no teto poderia ter sido transplantado de um Cadillac ou Lincoln. Tudo dentro da linha batizada de retrô-futurismo. Esta criação fez sucesso ao ponto de se tornar um Hot Wheels, batizado de Sentinel 400. O carro é imponente mesmo em miniatura, porém sem a leveza de outra criação cinematográfica de Mead.

BICICLETAS DE LUZ Tron é outro filme que é lembrado pelos seus veículos. A película, lançada no mesmo ano de Blade runner e dirigida por Steven Lisberg, investiu pesado em grandes artistas visuais. O cenário foi criado por Moebius (pseudônimo de Jean Giraud, quadrinista francês falecido em março deste ano), enquanto Mead criou os veículos, incluindo o porta-aviões, o tanque, o veleiro solar e, o mais importante, as motos de luz, retocadas para a continuação Tron: o legado, lançada em 2010. Elas são bem mais delicadas e rápidas do que o pesadão veículo blindado desenhado para outra ficção científica.

VEIA MILITAR A produção de Mead é tão variada que inclui também naves espaciais fictícias. A nave americana-soviética Leonov de 2010: o ano em que faremos contato (1984) fez sucesso com sua construção aparentemente modular e desenho que pouco se importa com a aerodinâmica dispensável no espaço.

Porém, foi a Sulaco de Aliens que ficou mais na memória, graças à sua forma de fuzil de assalto. Além dela, Syd desenhou também a nave UD4L Cheyenne, que leva o blindado APC. O filme tem uma linguagem visual tão bem elaborada que serviu de inspiração para outro sucesso de Cameron, Avatar (2009), prova de que o designer ainda está na ribalta.

NAVES ESPACIAIS Aliens, de 1986, foi produzido com a dura missão de suceder o Alien: o oitavo passageiro, de Ridley Scott, lançado em 1979. Mas o diretor James Cameron veio com um bom roteiro e pegou Mead para produzir o visual futurista do filme. De inspiração militar, a película foi uma chance para o desenhista colocar na telona o que sabia fazer em termos de veículos grandes. E bota grande nisso: o M577 APC (veículo blindado de transporte de tropas, em inglês) do filme foi baseado em um Hunslet ATT77, um daqueles reboques usados para puxar aviões em aeroportos. O modelo pesava 75 toneladas, sendo que boa parte disso era lastro, para ficar estável mesmo puxando as aeronaves. Depois de tirar cerca de 30 toneladas de chumbo, foi possível passear com o elefantinho sem destruir o set. Mas ele já criou coisas maiores.

FIXAÇÃO EXPLICADA Mead está sendo homenageado na exposição Futuro (Perfeito), realizada este mês em Nova York. O artista ganhou também um documentário, em 2006, intitulado Futurista visual, a arte e vida de Syd Mead. Em 2008, foi lançado o curta 2019: a future imagined, disponível no YouTube. A data já entrega a referência a Blade runner e nele o desenhista fala sobre a dificuldade de se prever o futuro. "Nos anos 50 e 60 imaginávamos que teríamos rodovias que cruzariam o país com carros que rodariam a 330km/h sem motoristas. O futuro se tornou realidade em pequenos pedaços, como itens de consumo", afirma. E qual é o possante que Syd dirige? Um Imperial LeBaron, ano 1972, top de linha da Chrysler, preto com o interior dourado (sim, dourado). Agora já está explicada a inspiração nos carrões.