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Beber só uma é balela

Conclusão de pesquisa alerta para fato de que não corre risco só quem está embriagado. Médico chama a atenção para falsa sensação de sobriedade

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Valdir Campos analisou comportamento de motoristas da capital nos fins de semana

O psiquiatra e especialista em dependência química pela Unidade de Estudo de Álcool e outras Drogas (Uniad), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Valdir Ribeiro Campos acaba de encerrar pesquisa realizada com motoristas de Belo Horizonte, em 2005 e 2006, e já prepara nova fase de estudos, abrangendo as nove regionais da capital mineira. O trabalho, que buscou verificar o nível de álcool no sangue dos condutores, como uso de bafômetros, teve como principal objetivo levantar dados que auxiliem no desenvolvimento de pesquisas permanentes e na formulação de políticas públicas para conscientização da população. Campos chama a atenção para uma conclusão preocupante: apesar do conhecimento do risco, muitos condutores têm o senso subjetivo do 'beber seguro': com pequena dosagem de álcool no sangue, acreditam que não estão sob o efeito da bebida, embora já sofram suas conseqüências.

A pesquisa teve o apoio da subsecretaria estadual Antidrogas e foi realizada em duas etapas, com metodologia idêntica, na primeira quinzena de dezembro de 2005 e, posteriormente, de 2006, nas noites de sextas-feiras e sábados, entre 23h e 3h, na Região da Savassi. "Resolvemos aumentar a amostragem, devido ao alto índice de recusa dos motoristas em participar da primeira etapa", diz o psiquiatra. Somando-se as duas etapas, foram abordados 990 condutores, entre motoristas de automóveis e alguns motociclistas, e 92% aceitaram participar, preenchendo um questionário sociodemográfico. No entanto, apenas 63,4%, ou 579 pessoas, concordaram em fazer o teste do bafômetro (veja quadro).

Perfil
O perfil não surpreendeu. Do total de entrevistados, 80% são do sexo masculino. A faixa etária predominante (55,5%) é de jovens, de 18 a 30 anos, sendo que 66,6% dos motoristas são solteiros. Dados de escolaridade mostram que 50,4% dos entrevistados têm curso superior completo e outros 26,4% estão cursando faculdade. A renda familiar de 73,7% é superior a oito salários mínimos. "São pessoas instruídas, com acesso à informação. Mas talvez a região tenha influenciado. Por isso, queremos repetir a pesquisa em todas as regionais", continua o pesquisador.

Campos ressalta outro dado importante: 60,4% dos entrevistados disseram consumir álcool de uma a duas vezes por semana. "Isso desmitifica a sensação de que o motorista embriagado é aquele que faz uso crônico ou é dependente de álcool. E não é bem assim. As pessoas consomem poucas vezes, mas o suficiente para terem o comportamento alterado", pondera. Também do total de entrevistados, 40,3% admitiram ter bebido no dia da pesquisa. Mas a maioria disse ter bebido de dois a três copos de cerveja ou chope, ou de uma a duas taças de vinho ou dose de destilado. "Não é tanto, mas a quantidade já é suficiente para ultrapassar o limite permitido pela lei, de 0,6g por litro de sangue. Mas nem todos que beberam aceitaram fazer o teste". A pesquisa também revelou que 36,5% (334) dos motoristas já haviam se envolvido em acidente de trânsito.

Avaliação
Psicólogos que participaram do trabalho reforçam a tese sobre o perigo do 'beber seguro'. "Eles perceberam que 14% dos motoristas estavam visivelmente embriagados ou sob efeito até de outras drogas, enquanto, pelo teste do bafômetro, 19,6% haviam bebido acima do permitido, sem falar dos que se recusaram a soprar, que foram muitos. Uma discrepância. Apesar da consciência dos riscos, muitos condutores acreditam que estão bem e nada vai acontecer. E sabem também que não vão ser pegos, nem punidos", diz. O médico acrescenta que outro perigo é a falsa sensação de não ser afetado pela bebida: "Pesquisas internacionais mostram que quanto mais tolerância a pessoa tem ao álcool, mais será prejudicada".

Além da intenção de repetir o trabalho nas regionais, Campos pretende cruzar os dados da pesquisa com trabalhos realizados em São Paulo, Vitória, Santos (SP) e Diadema (SP), todos com o mesmo método.

Nível de álcool e reações esperadas
Dos entrevistados, 579 aceitaramfazer o teste do bafômetro. Confira no quadro o nível de alcoolemia no sangue dos motoristas pesquisados e veja a relação direta com o efeito da bebida.Olimite permitido pelo Código de Trânsito Brasileiro
VALORES EM G/DL Nº DE ENTREVISTADOS PORCENTAGEM REAÇÕES ESPERADAS
0,00 358 62% -
0,01 a 0,02 51 8,8% comprometimento da noção de distância e velocidade
0,03 a 0,05 56 9,6% desatenção e campo visual restrito
0,06 a 0,08 35 6% perda da noção de riscos, reflexos e intolerância à luz
0,09 a 0,15 51 8,8% desconcentração e dificuldades de coordenar osmovimentos
0,16 a 0,20 10 1,7% visão dupla e letargia
acima de 0,21 18 3,1% embriaguez acentuada e amplificação dos sintomas a