Por mais que tenham sido castigadas, o universo das ferrovias brasileiras ainda sobrevive no imaginário de muitas pessoas, nem que seja na escala 1:87, chamada HO, a mais difundida no mundo. Os aficionados pelo meio ferroviário em escala são chamados ferreomodelistas, saudosistas dos 8 aos 80 anos de idade. "Eu tenho um Ferrorama guardado aqui no armário, então eu sou um ferreomodelista", pergunta um desavisado. A resposta é: não. Ferrorama é brinquedo e não modelismo.
Apesar de tudo começar com um trem, a máquina e a composição, existe todo um entorno para ambientá-lo. É onde entram as maquetes. O economista Evaldo José de Oliveira, 68 anos, montou em sua casa uma maquete no estilo barroco. "O trem é uma Maria-Fumaça, tem carrinhos antigos, lembrando uma época em que a vida era mais pacata", conta Evaldo, que deu início ao hobby para divertir a neta, que cresceu e perdeu o interesse.
Hoje a atividade é uma terapia na vida dele. "Às vezes você está preocupado, não consegue pegar no sono, e vai lá montar", explica Evaldo, revelando que nunca teve habilidade para mexer com peças pequenas, mas agora evoluiu bastante. O grau de detalhamento é tamanho que uma árvore ganhou uma casinha de João de Barro. "O prazo para terminar é nunca e o preço não se soma. Se fizer, você desiste", aconselha o economista, que ainda está montando outra maquete em estilo alemão.
O programa Viação Cipó, da TV Alterosa, mostrou o Clube Mineiro de Modelismo Ferroviário. Veja com Otávio Di Toledo no vídeo abaixo:
INDUSTRIAL Já o estudante Gabriel Eduardo Andrade Rodrigues, de 13 anos, escolheu o tema industrial para sua maquete, com réplicas de máquinas a diesel. Tudo tem explicação. Gabriel mora em Itabirito, região que concentra intensa exploração de minério de ferro e atividade industrial. "Tenho sete locomotivas a diesel e uma elétrica. Quando estiver pronta, minha maquete vai ter uma usina de minério de ferro, tanques de óleo, uma siderúrgica e um tanque de carregamento de combustível", planeja o estudante.
A maquete começou a ser feita em meados de 2010. O pai de Gabriel, Christiano Eduardo Rodrigues, conta que já investiu R$ 5 mil no hobby do filho. O esperado é gastar mais R$ 5 mil. "Mas é aos poucos", pondera. Mas, como diz o ditado, 'não basta ser pai, tem que participar'. Christiano já levou o filho para ver carregamento de minério. Gabriel também faz sua parte, conhece muitas ferrovias brasileiras pelo Google Earth e ainda assina uma revista ferroviária.
CRAQUE Mas Gabriel faz parte de uma outra turma de ferreomodelistas, já que não monta sua própria maquete, tarefa confiada a Paulo Scheid, programador visual, professor, maquetista e também ferreomodelista. Ele se dedica ao hobby, que já virou profissão, há mais de trinta anos. "O ferreomodelismo reúne noções de mecânica, elétrica, artes, urbanismo, logística, conceito de linha e tráfego em uma via", explica Paulo.
O professor mostra como adaptou um personagem ao conceito de uma maquete: "Este soldado aqui eu montei a partir de um kit. Ele tinha um capacete, mas precisava usar um quepe. Essa atividade exige muita pesquisa, e quem encomenda esse tipo de trabalho sabe o que está certo e o que está errado", conta Paulo, mostrando num livro como as locomotivas importadas rodavam no Brasil adaptadas à condições locais. Das mãos de Paulo ainda surgem montanhas, água e vegetação para compor as maquetes.
E a 'Meca' dos modelistas de BH é a Kids & Kits, autodefinida como uma loja/escola, pois além de vender todo tipo de kit, inclusive a linha nacional de ferreomodelismo da Frateschi, promove cursos para os hobbymodelistas. Para criar dioramas, uma cena sobre um determinado tema ou maquetes, a loja também vende todo tipo de material, animais, pessoas, placas de trânsito, construções, túneis, pontes, estações, automóveis, etc. Para quem quiser ver, a loja tem uma bela maquete.
MEMÓRIA
História do ferreomodelismo
De acordo com Paulo Scheid, os primeiros trens em escala reduzida foram construídos por relojoeiros alemães na metade do século 19, quando eram movidos a corda. O ferreomodelista se recorda que o primeiro fabricante nacional de trens elétricos nessa modalidade foi a Atma Paulista, na década de 1970. "Feitos a partir de moldes importados e sem muita preocupação com o realismo do ferroviário brasileiro, esse produto se destacava mais pelo pioneirismo e por ser mais acessível que os trens americanos e europeus, que eram caríssimos", afirma Scheid. A Pioner também nacional fabricava excelentes vagões, chegando a exportá-los. Outra que se destacou, atualmente única no mercado brasileiro, foi a Frateschi, comprometida em reproduzir o maquinário rodante das ferrovias brasileiras.