Um conjunto de ações em curso evidencia a existência de atuações articuladas para transformar o serviço de transporte público de táxi aéreo – empresas que têm concessão para vender serviço – no patinho feio. Esses serviços estão diretamente ligados às grandes obras de infraestrutura realizadas pelas empresas de construção pesada. A construção de usinas hidroelétricas, de estradas e de cidades seria inviável se não existisse um serviço de táxi aéreo, ainda que incipiente. A Amazônia não teria sido alcançada nos seus mais distantes rincões se não houvesse o serviço. A indústria de óleo e gás é toda atendida por empresas de táxi aéreo, que se submetem a requisitos rigorosos de segurança. Essa dependência remonta aos tempos das primeiras atividades de prospecção e exploração de petróleo.
Existem no Brasil cerca de 2.200 aeroportos, 220 helipontos e 2.600 pistas registradas. Esse universo só é atendido pela aviação regular em 180 localidades. Quem assegura o atendimento das demais localidades é a aviação executiva.
Enquadrada nas modalidades de serviços de transporte aéreos públicos e privados, a aviação aérea executiva tem no segmento público melhores estrutura e fiscalização.
A partir de 2000, o então Departamento de Aviação Civil (DAC) começou a atender as exigências da Organização da Aviação Civil Internacional (Oaci) e o serviço de táxi aéreo passou a observar os requisitos operacionais e técnicos para a prestação do serviço remunerado. O estágio atual do segmento de transporte aéreo público não regular é bastante satisfatório, existindo diferentes grupos de empresas de táxi aéreo, todos operando sob a fiscalização continuada da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Desde que começaram a estudar alterações no Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), percebe-se uma ação orquestrada para pôr fim a uma atividade organizada de transporte aéreo. No código pretendem eliminar a atividade de táxi aéreo como um serviço de transporte público. Seria uma forma de legalizar o transporte aéreo pirata, que existe sem fiscalização efetiva da Anac. A agência não teria braços para fiscalizar todo o universo de transportadores. Seria algo como legalizar a não existência do serviço de táxi no transporte rodoviário. Seria legalizar o que chamam de bandalhas.
Outra evidência é a medida provisória enviada pelo governo que tratou da desoneração da folha de pagamento. Incluíram toda uma gama de serviços aéreos públicos e não incluíram o transporte aéreo não regular.
É inadmissível que o governo não tenha uma visão clara do papel das empresas de táxi aéreo na formação de mão de obra para a aviação regular. Ainda que haja a formação dessa mão de obra nas escolas de ciências aeronáuticas, a experiência que um piloto adquire no voo de táxi aéreo é largamente superior à adquirida por um aluno de uma boa escola de ciências aeronáuticas que ingressa numa empresa de transporte aéreo regular. O piloto de táxi aéreo é mais versátil. As horas acumuladas numa empresa de táxi aéreo para a obtenção da licença de piloto de linha aérea têm mais densidade do que as horas computadas em voos repetitivos e em operações em aeroportos mais bem equipados.
Não há razão para a Casa Civil ter excluído as empresas de transporte aéreo não regular da desoneração da sua folha de pagamento. Ato mais grosseiro, prepotente e arbitrário está em curso pelo Ato Administrativo nº 3139, da Presidência da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero). Por meio dele, ao arrepio do contido no artigo 40 do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), o presidente da estatal determina que todo ato de concessão a uma empresa de táxi aéreo, ao seu final, deverá ser objeto de um processo licitatório.
O artigo 40 do CBA tem a seguinte redação: “Dispensa-se do regime de concorrência pública a utilização de áreas aeroportuárias pelos concessionários ou permissionários dos serviços aéreos públicos, para suas instalações de despacho, escritório, oficina e depósito, ou para abrigo, reparação e abastecimento de aeronaves”.
Sob a argumentação de praticar justiça e aumentar a arrecadação das administrações aeroportuárias, o presidente da estatal aeroportuária usa um ato de força. Ignorar um ato legal não é uma boa prática republicana e as empresas de transporte aéreo não regular esperam uma ação do Ministério Público.
Se o serviço aéreo público de táxi aéreo tem uma história ligada ao desenvolvimento de nosso país; se o ele ainda permite maior capilaridade no atendimento de cidades não ligadas pelo transporte aéreo regular; se ele encontra-se numa fase de organização bastante aceitável e se o serviço de táxi aéreo contribui para a formação de mão-de-obra de qualidade para o transporte aéreo regular, qual a razão de penalizá-lo? Pretendem desconstruir mais um serviço organizado de nosso país?