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Por que muitos fabricantes não vendem carros populares no Brasil? Veja 7 motivos

Multinacionais vendem veículos de baixo custo no exterior, mas preferem não produzi-los nacionalmente: conheça os motivos

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Fiat Uno Mille, precursor dos carros populares nacionais, saiu de linha em 2013
Fiat Uno Mille, precursor dos carros populares nacionais, saiu de linha em 2013 Foto: Fiat Uno Mille, precursor dos carros populares nacionais, saiu de linha em 2013

Que os veículos zero-quilômetro ficaram inacessíveis para grande parte da população brasileira, todo mundo já sabe. Porém, o caso é que, em âmbito global, os chamados carros populares não morreram. Pelo contrário: há vários modelos de baixo custo na Ásia, especialmente em países como Índia, Tailândia e Filipinas. E o mais curioso é que muitos deles são produzidos por multinacionais que têm fábricas por aqui.

Esse é o caso, por exemplo, do Honda Brio, um hatch subcompacto comercializado na Tailândia por preços a partir do equivalente a R$ 56,5 mil. Outro modelo que se enquadra nessa situação é o Toyota Vitz, que está à venda naquele mesmo país por valor inicial equivalente a R$ 50 mil. Já na Índia, o Nissan Magnite custa o equivalente a módicos R$ 35 mil.

Daí, surge a pergunta: por que, então, as empresas não nacionalizam esses carros populares? Afinal, eles parecem ter tudo a ver com os consumidores brasileiros, certo? Bem, de acordo com os especialistas ouvidos pelo VRUM, a resposta para essa questão não é tão simples.

É que o mercado de veículos é bem mais complexo do que parece, pois envolve muitas variáveis e particularidades. Para solucionar essa equação, a reportagem enumerou os 7 principais fatores que explicam por que os fabricantes não nacionalizam alguns carros populares que existem no exterior. Entenda o caso!

Honda Brio Satya amarelo neon vista lateral diagonal
Honda nem pensa em fabricar o hatch Brio no Brasil: na Ásia, ele custa menos de R$ 60 mil

1- Carros populares têm menores margens de lucro

Quanto mais baixo é o preço de um automóvel, menor é a margem de lucro do fabricante. O custo de fabricação de um modelo de entrada não é tão mais baixo que o de um similar de luxo, mas o segundo pode ter um preço de mercado duas ou até três vezes maior.

Por isso, para obter lucro com produtos de menor valor, a indústria precisa comercializá-los em grande quantidade. É o que explica a professora Adriana Marotti, da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP).

É preciso ter grandes volumes de vendas para produzir carros populares."

Adriana Marotti, professora da USP

Vale lembrar, ainda, que nacionalizar veículos exige enormes investimentos. Procedimentos como instalação de maquinário e adaptações do projeto à legislação e ao público local demandam dezenas de milhões de dólares. Para as multinacionais, é muito mais cômodo destinar esses recursos a segmentos superiores, nos quais é possível recuperá-los com maior facilidade.

2- Juros altos são barreira aos carros populares

Eis outro fator que desestimula os fabricantes a investirem em carros populares. Tais modelos foram os que sofreram mais com a retração nas vendas de veículos zero-quilômetro nos últimos anos. Isso, porque grande parte dos consumidores desses modelos só consegue comprá-los a prazo. E juros atuais inviabilizam esses negócios: mesmo com a queda de 0,5%, a taxa Selic está em altos 13,25% ao ano.

Diante da atual conjuntura, Marotti pondera que os maiores compradores de modelos de entrada são as locadoras, que, por sua vez, os destinam, em grande parte, a motoristas de aplicativo. Como grandes empresas frotistas adquirem veículos com descontos, as margens de lucro dos fabricantes sofrem mais reduções.

3- Impostos tiram competitividade dos carros populares

Renault Kwid modelo 2023 vermelho de frente em movimento no asfalto. O modelos seria, potencialmente, uma das opções para a volta dos carros populares.
Renault Kwid, o carro mais barato do Brasil, custa R$ 68.190: cerca de 40% desse valor corresponde a impostos

A lucratividade dos fabricantes não é a única responsável pelo esvaziamento do segmento de carros populares. A alta taxa tributária praticada no Brasil faz com que esses modelos percam competitividade. Veículos que, no exterior, têm preços em torno de R$ 50 mil, custariam bem mais no mercado local: não sairiam por menos de R$ 70 ou de R$ 80 mil e, assim, já atingiriam a faixa dos similares nacionais.

Paulo Roberto Garbossa, consultor de mercado da ADK Automotive, destaca que, enquanto na Europa os impostos elevam os preços dos veículos em algo entre 19% e 27%, no Brasil os tributos chegam a cerca do dobro desses percentuais:

"Dependendo, os impostos podem corresponder a 40% ou até a 50% do valor do carro."

Paulo Roberto Garbossa, consultor da ADK

4- Alguns fabricantes preferem ter imagem 'premium'

Muitos dos fabricantes optam por não atuar no segmento de carros populares simplesmente para não ter a própria imagem associada a eles. Ao se vincularem a produtos mais sofisticados, tais marcas acabam obtendo maior aceitação nesses segmentos, que são justamente os mais lucrativos.

Marotti, da USP, exemplifica esse caso com o Toyota Corolla: "É um modelo de entrada nos Estados Unidos, mas vendido como carro de luxo no Brasil". Para ela, esse é um fenômeno que atinge várias marcas de origem japonesa instaladas no país, que se posicionam em um patamar mais sofisticado.

Mas a questão é que todos esses fabricantes são generalistas e, como já foi dito, comercializam produtos bastante acessíveis em outras partes do mundo. Trata-se de uma estratégia de marketing local, que consiste em uma situação bem diferente das marcas realmente premium, como Mercedes-Benz e BMW, que oferecem produtos luxuosos em todos os mercados em que atuam.

5- Conjuntura internacional pesa nas decisões dos fabricantes

Quem cotiza os recursos financeiros das subsidiárias brasileiras são as matrizes das multinacionais, com base em um plano global. E, neste momento, a maior parte dos investimentos está sendo destinada aos veículos elétricos, cuja demanda está aumentando principalmente na Europa. Como é caro desenvolver esses carros, os populares, com mecânica convencional, a combustão, acabam ficando em segundo plano.

A professora da USP associa também essa questão à lucratividade dos fabricantes: "como os carros elétricos são mais caros, devido ao maior custo de produção, os modelos que estão se consolidando no mercado são os mais sofisticados, como os da Tesla". Marotti opina que tal conjuntura é um fator determinante para que a indústria priorize investimentos em produtos mais luxuosos.

6- Preço baixo não assegura sucesso dos carros populares

Toyota etios hatch 2019 branco de frente estacionado
Toyota Etios tinha preços competitivos, mas nem por isso fez sucesso

Os consumidores têm preferências distintas nos diversos países em que os fabricantes atuam. Por isso, produtos que obtêm ótimos resultados comerciais em determinados mercados podem acabar sendo rejeitados em outros. Para Garbossa, além de uma boa relação custo-benefício, o design tem papel importante para que os automóveis tenham boa aceitação no Brasil.

E não para por aí. A adoção de alguns equipamentos e até mudanças no acabamento podem ser necessárias para que o veículo de adeque ao mercado nacional. Isso, sem falar em alterações na mecânica, como adaptação do motor ao uso de etanol e reforços na suspensão, que são indispensáveis às condições de uso no país. Todos esses investimentos podem simplesmente elevar demais o preço final.

Por outro lado, deixar de fazer mudanças assim tampouco parece ser boa ideia. Exemplo disso é Etios, para ficar mais uma vez com um modelo da Toyota: apesar do preço competitivo, ele vendeu pouco e saiu de linha menos de 10 anos após o lançamento. O design, tanto da carroceria quanto do interior, é frequentemente apontado como responsável pelo fraco desempenho comercial.

7- Legislação brasileira é bastante exigente

A legislação brasileira, no que diz respeito às emissões de poluentes e à segurança veicular, é muito mais avançada que a da maioria dos países da Ásia. "Na Índia, por exemplo, a legislação é bem mais permissiva, tanto em relação à segurança quanto às emissões de poluentes", salienta a professora Marotti.

Entre os itens que precisam equipar todos os carros zero-quilômetro vendidos no Brasil, inclusive os populares, estão airbags frontais e freios ABS. Novos projetos precisam ter ainda controle de estabilidade. Na parte ambiental, as normas de emissões regulam, além dos gases do escapamento, até os vapores de combustível que saem pelo bocal do tanque.

A necessidade de adaptar produtos asiáticos às exigências locais é mais um fator que eleva o custo final e, consequentemente, faz com que eles percam competitividade. Mesmo se fossem importados, tais veículos também precisariam atender a essas normas.