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Tiro pela culatra

Dessa vez, nada de kit de primeiros socorros ou extintor de incêndio: o governo bateu pesado contra o bolso do motorista ao tornar o rastreador obrigatório

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Mais uma preciosidade na já extensa lista de absurdos perpetrados contra o motorista brasileiro. E, dessa vez, nada de estojinho de primeiros socorros (R$ 20) ou extintor tipo ABC (R$ 100): o governo bateu pesado, ao exigir, a partir de julho de 2009, que todo automóvel zero km esteja equipado com rastreador que permita localizá-lo ? via satélite ?, no caso de furto. Vamos todos colaborar para um gigantesco faturamento de bilhões de reais anuais, pois o custo do rastreador é de, no mínimo, R$ 1 mil. Multiplique-se o preço unitário por quase 3 milhões de veículos novos emplacados anualmente para se ter uma idéia do valor total.

É uma decisão tão absurda que não resiste a questionamento algum, seja lá qual for o aspecto escolhido.

Para começo de conversa, rastreador não é como extintor de incêndio: para funcionar, tem que existir uma central de monitoramento. O dono do carro, além de pagar compulsoriamente pelo equipamento, teria mais uma despesa mensal (entre R$ 100 e R$ 150) para ativá-lo. Acontece que existem dezenas de empresas operando hoje no setor. Mas só a que vendeu o equipamento para a montadora terá condições de monitorá-lo. E poderá aproveitar para cobrar mais. E se ela quebrar?

Ah, é?, diz o governo, mas nós vamos estabelecer um equipamento padrão e já estamos elaborando suas características técnicas. Qualquer empresa será capaz de acessá-lo. Ainda pior: primeiro, por estar limitando todo o desenvolvimento tecnológico, todas as possibilidades mercadológicas oferecidas potencialmente pelo rastreador. O equipamento vira commodity, todos idênticos e ninguém poderá desenvolver nada mais eficiente ou sofisticado. E a padronização do rastreador tem outro gravíssimo inconveniente: marginais têm competência mais do que suficiente para interferir no aparelho e o tiro pode sair pela culatra. Em vez de o dono do carro avisar a central e esta localizar e cortar o combustível do veículo roubado, o ladrão é que terá condições de pará-lo, para roubá-lo ou assaltar o proprietário.

É outra medida que favorece o rico e prejudica o remediado. Porque o rico mora na cidade grande e o seguro de seu carro é mais caro, porque os riscos são maiores. Ele já é cliente do seguro e do rastreador.

O remediado compra carro popular e raramente recorre ao seguro, pois mora no interior onde os riscos são muito menores. Mas, ao comprar seu Uno Mille de R$ 20 mil, equipado obrigatoriamente com o equipamento, estará ajudando a baratear o custo do rastreador que vai no Chevrolet Omega de R$ 150 mil.

É sensato obrigar o brasileiro a pagar compulsoriamente pelo aparelho?

Se o governo tivesse perguntado à Volkswagen, descobriria que a montadora decidiu instalar o equipamento (no início desse ano) em todos os seus modelos. A operação não durou três meses, por um simples motivo: apenas 20% dos proprietários solicitavam sua ativação à central de monitoramento, inviabilizando o projeto.

Será que, num repente de lucidez, alguém vai examinar a questão com a profundidade que ela merece e frustrar o projeto, antes que se inicie um novo ataque ao combalido saldo bancário do brasileiro?