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O outro reloginho

Executivos de multinacionais do setor ironizaram o indiano de US$ 2.500. Seus avôs devem ter rido no lançamento do Fusca

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Numa reunião de pauta em que se discutia que matérias seriam (ou não) adequadas aos leitores de Veículos, um jornalista contou que um amigo recentemente lhe perguntou qual é a função do "outro relógio ao lado do velocímetro". Diante do ar interrogativo da equipe, ele traduziu em miúdos: "é isso mesmo, meu amigo não tinha nem noção de que o outro relógio é um conta-giros e que seu ponteiro indica a rotação do motor."

Para os apaixonados pelo tema e que destrincham as entranhas mecânicas do automóvel, a questão revela a mais profunda ignorância pelos elementos básicos de comunicação entre o carro e o motorista. Afinal, eles prestam mais atenção no conta-giros do que no velocímetro, pois são obcecados em poupar o motor, cambiar na hora correta, obter o máximo desempenho.

Entretanto, por maior que seja a paixão de alguns brasileiros pelo automóvel, a maioria sabe, no máximo, onde está a tampa do tanque, a alavanca que faz abrir o capô, volante, pedais, alavanca de marcha e comandos elétricos.
O motorista quer que o carro seja atraente, tenha um mínimo de consumo e de despesas de manutenção e fique longe da oficina. E, se desvalorizar pouco na hora de passá-lo adiante, melhor ainda.

A questão do "reloginho ao lado" dá o que pensar. Os carros mais vendidos do mundo, o Ford modelo T (décadas de 10 e 20) e o Fusca (dos anos 50 a 90) jamais tiveram conta-giros. Nem ar-condicionado e muito menos direção hidráulica. No entanto, transportaram centenas de milhões de pessoas com eficiência durante dezenas de anos.

A evolução do automóvel significou mais conforto e segurança. A batida que matava no "For-de-bigode" não mata mais no Ford Ka. Mas exagerou ao trazer também uma parafernália de periféricos eletrônicos que deveriam facilitar, mas acabaram complicando a vida do motorista. Os manuais dos carros modernos viraram pesados calhamaços com centenas de páginas indigeríveis. Nem os apaixonados se dedicam a eles.

As engenharias das fábricas de automóveis mais sofisticados acabaram se perdendo dentro de seu próprio emaranhado eletrônico e estão eliminando parte das novidades que introduziram nos últimos 10 ou 15 anos. Meia dúzia de pesquisas revelou que os motoristas não usam o computador de bordo, as memórias, as opções de desempenho e outras eletrônicas disponíveis.

Deve ser por isso que a Tata, fábrica de automóveis na Índia, decidiu repensar o carro ao projetar o Nano, que custa US$ 2.500. A idéia é oferecer à família indiana (que ainda viaja toda aboletada sobre uma pequena moto) um veículo que transporte quatro (ou cinco) pessoas com razoável conforto, segurança e economia. Ao ser apresentado oficialmente, o veículo provocou reações irônicas de vários capitães de multinacionais do setor. Assim como seus avôs devem ter rido do Ford T ou do Fusca.

Sem conhecer o Nano de perto, dá para apostar que ele não terá o outro reloginho redondo ao lado do velocímetro...