UAI

O cachorrinho e o macaco

Empresas do setor pintam e bordam com o consumidor brasileiro, vítima indefesa de suas trapaças

Publicidade
Foto:

A maioria das multinacionais ainda trata o brasileiro como primata, ente em estado rude, primitivo, pouco esclarecido e aculturado, que não merece respeito nem consideração.

Não me esqueço do que disse Wolfgang Sauer, ex-presidente da Volkswagen do Brasil, sobre os motoristas brasileiros: "Parece que pularam da árvore para o volante".

Eu me lembrei disso ao ver numa revista norte-americana de automóveis um anúncio da Monroe sugerindo que os amortecedores devem ser substituídos a cada 50 mil milhas (cerca de 80 mil quilômetros). E com uma ressalva, não em letras minúsculas no pé da página, mas no texto principal: "Milhagem pode variar em função do estilo de dirigir do motorista, das características do automóvel e das estradas". Isso é tratar o consumidor com respeito.

A Cofap fez, no passado, anúncio semelhante no Brasil, mas recomendando a troca aos 30 mil quilômetros. A campanha publicitária ficou famosa, pois usava um cachorrinho (bassê) que vinha escorregando nas quatro patas pelos corredores da casa. (Dizem que os anúncios tiveram um ótimo efeito, pois nunca se vendeu tanto cachorrinho bassê...)

Outras fábricas de amortecedores retrucaram mais tarde, recomendando a troca aos 40 mil quilômetros, ou seja, deixando nas entrelinhas que seu produto era superior ao da Cofap...

Toda essa publicidade foi, a rigor, um desrespeito ao brasileiro por induzi-lo a substituir o componente numa freqüência muito superior à necessária. Porque, dependendo das condições de uso, ele pode pifar aos 20 mil quilômetros. Como pode chegar (como diz a própria Monroe nos EUA) a 80 ou 100 mil quilômetros.

No Brasil, montadoras, concessionárias, oficinas, fabricantes de autopeças, prestadores de serviços, não escapa ninguém da lista: todos procuram trapacear ou negar ao consumidor os seus direitos.

A montadora faz propaganda enganosa, esconde defeitos dos automóveis e se isenta de conceder garantia. As concessionárias vendem produtos e serviços desnecessários. O mercado de peças está abarrotado de componentes sem a mínima qualidade. Pneu remoldado é anunciado como novo. Posto vende combustível adulterado e aditivo desnecessário. Motorista é sempre um alvo fácil e vítima indefesa, pois não tem noção dos aspectos técnicos nem órgão nenhum do governo para defendê-lo.

Estepe
Por incrível que pareça, quem compra um carro zero quilômetro tem que tomar quase os mesmos cuidados que o comprador de um usado, tantas são as trapaças praticadas no mercado. Uma das mais recentes é quando a montadora não tem pneus suficientes para abastecer a linha de montagem. Ela recorre ao expediente de montar o automóvel sem o estepe para não interromper a produção. Depois, quando recebe os pneus, vai ao pátio e põe o sobressalente. Até aí nada demais, desde que o pneu estepe seja de marca idêntica à que está nas outras rodas. Mas muitas vezes é de outro fabricante e ninguém ignora o perigo de colocar pneus diferentes num mesmo eixo.
Por incrível que pareça, tem montadora irresponsável que não vacila em se valer desse recurso. E o motorista só vai descobrir que foi trapaceado meses ou anos depois, quando precisar do estepe.

Afinal, qual é o problema se o brasileiro pulou diretamente da árvore para o volante?