Ainda vai passar muita água sob a ponte até que se encerre a novela das cadeirinhas. O último capítulo foi em 9 de junho, data fixada pelo Conselho Nacional de Transito (Contran) para sua obrigatoriedade. Entretanto, Alfredo Peres da Silva, presidente do Contran, teve o bom senso de adiar para setembro, pois não havia mais cadeirinha no mercado.
O que comprova, primeiro, que o brasileiro deixa tudo definitivamente para a última hora. Segundo, que não se preocupa com segurança, pois tem certeza de que acidente só acontece com os outros. Nem quando se trata de proteger o próprio filho, pois milhares de pais saíram correndo para comprar o equipamento, para evitar multas. Prova de que as crianças eram levadas de qualquer jeito dentro do automóvel.
No Brasil, segurança tem que ser imposta na marra. Tem que pesar no bolso. É assim com os cintos (até hoje quase ninguém se lembra de afivelá-los no banco traseiro), com os equipamentos de segurança (dinheiro para o ABS ninguém tem, mas para banco de couro e CD Player, que custam mais caro, todo mundo tem), com os telefones celulares ao volante e com os pneus carecas.
Já que as cadeirinhas serão obrigatórias só em setembro, o dr. Alfredo poderia aproveitar o embalo e corrigir algumas distorções da legislação, a começar da mais grave delas: cabe aos policiais de trânsito apenas comprovar a existência do equipamento no automóvel, sem verificar sua qualidade. Incoerência do Contran? Não, coerência: na verdade, as cadeirinhas à venda desde outubro do ano passado deveriam ostentar o selo de certificação. Mas, o Inmetro (ler carta abaixo), ?benevolente" com as fábricas e lojas, prorrogou o prazo para que se "desovassem" os estoques, pouco se importando com a integridade das crianças. O Contran, portanto, não poderia exigir o selo de quem comprou uma cadeirinha sem ele no mês passado.
Outra distorção é a não obrigatoriedade do equipamento em ônibus, táxis e vans escolares. Ou seja: se você resolve dar carona ao amigo com um filho e não tem a cadeirinha no automóvel, corre o risco de ser multado. Mas se o amigo chamar o táxi, aí pode ir com a criança sem problema.
Mais grave ainda é a van escolar: como explicar que não se exige o equipamento de proteção exatamente no veículo específico para o transporte de menores?
O imbróglio está formado desde o ano passado, pois cabe a dois órgãos do governo legislar sobre o assunto. Ao Inmetro, exigir que as cadeirinhas comercializadas no país estejam enquadradas dentro das normas técnicas. Ao Contran, que elas sejam utilizadas nos automóveis.
Enquanto os dois não chegarem a um acordo, não se reduz o (elevado) índice de mortalidade de crianças em acidentes de automóveis no Brasil.
Inmetro - Instituto questiona crítica
sobre segurança automotiva
Afonso Ribeiro
Chefe da Divisão de Comunicação Social do Inmetro
O Inmetro presta esclarecimentos em relação à nota publicada na coluna "Papo de Roda" de 27 de maio, sob o título "Traz de Miami!". Até o ano 2006, os dispositivos de retenção para crianças ? que incluem bebê conforto, cadeirinha infantil e assento elevatório ? eram comercializados no Brasil com alguns modelos certificados voluntariamente. Análises conduzidas pelo Inmetro revelaram que alguns dos produtos comercializados sem certificação não se mostravam seguros para os usuários e sequer traziam informações essenciais para o correto uso e instalação.
Além disso, os ensaios em laboratório não tinham o rigor adequado para o atendimento aos requisitos mínimos de segurança previstos na norma brasileira, elaborada com base em norma similar europeia.
Na época, o Brasil não tinha laboratórios com instalações adequadas para os ensaios de dispositivos de retenção infantil. Mesmo os laboratórios das montadoras de veículos não estavam capacitados a fazer esse tipo de ensaio, que demanda "bonecos" e sensores específicos para avaliação das possíveis lesões que afetam as crianças quando de um acidente automobilístico. Diante desse quadro, o Inmetro, cumprindo resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, decidiu desenvolver, no campo compulsório, o Programa de Avaliação da Conformidade de Dispositivos de Retenção para Crianças. Nesse sentido, foi publicada a Portaria 38, de 29/1/2007, dando publicidade a um Regulamento Técnico que exigia os ensaios e as adequadas instruções de uso, tendo sido, como de hábito, dado um prazo para que fabricantes, importadores e pontos de venda se adequassem.
A inexistência de laboratórios adequados, devidamente acreditados pelo Inmetro ? ou seja, reconhecidos competentes para conduzir os ensaios com base em práticas internacionais, definidas por meio de normas técnicas da ISO ?, levou à prorrogação do prazo concedido para adequação até 31/9/2009, por meio da Portaria 383/2008. Paralelamente, o Inmetro, por meio de acordos internacionais dos quais é signatário, identificou laboratórios no exterior com competência para a realização desses ensaios. Os elevados investimentos e a falta de escala desestimularam a montagem desses laboratórios no Brasil. É importante destacar que o último prazo concedido foi integralmente cumprido. Hoje, no comércio, limite do campo de atuação legal do Inmetro, não são mais encontrados dispositivos de retenção infantil sem certificação. Portanto, ostentam o selo de identificação da conformidade do Inmetro. Significa dizer que atendem a requisitos mínimos de segurança. Minimizam os efeitos dos acidentes nas crianças. Salvam vidas. O Inmetro desconhece os fatos que levaram à afirmação de que a Unicamp testou e reprovou algumas das cadeirinhas certificadas, mas, há quatro anos, os ensaios realizados levaram a resultados semelhantes, tendo sido esse um dos motivos que conduziu à regulamentação do setor e a exigir a consequente certificação dos produtos. Os 260 programas de regulamentação e certificação do Inmetro são estabelecidos por comissões técnicas com participação das partes interessadas (entidades representativas dos consumidores, dos setores produtivos, governo, agências regulamentadoras e o meio acadêmico) e, no caso específico das cadeirinhas, teve importante contribuição do professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp Celso Arruda.
A regulamentação do uso é de responsabilidade do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), cujo braço executivo é do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), não cabendo ao Inmetro tal responsabilidade.
Em relação a pneus reformados, cabe observar que esta é uma prática rotineira em diversos países e que, até poucos anos, era feita livremente no Brasil. O pneu reformado, se a reforma for benfeita, é seguro, sendo amplamente utilizado em todo o mundo, em especial em ônibus e caminhões. A não reforma dos pneus, nestes veículos em particular, provocaria um significativo e negativo impacto ambiental, social e econômico. O papel do Inmetro foi regulamentar e exigir avaliação da conformidade compulsória. Por conta de contrato de gestão com o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, com interveniência do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão e do Ministério da Fazenda, o Inmetro realiza pesquisa anual de sua imagem junto à população e a segmentos da sociedade. Os resultados recentes indicam que 75,20% da população brasileira conhecem o Inmetro. Destes, 85% confiam na instituição. E, por fim, acrescento que, com uma equipe de pesquisadores e profissionais de excelência, incluindo 251 mestres e 159 doutores, o Inmetro foi agraciado, na última semana, com a medalha Nacional do Mérito Científico, entregue pelo presidente Lula. Desde que foi criada, em 1998, a Medalha foi atribuída a cinco entidades, entre elas a Academia Brasileira de Ciências, a Embrapa e a Fiocruz.
NR: É necessário refrescar a memória do Inmetro.
Por Boris Feldman
1- O instituto certificava, sim, as cadeirinhas até 2006. E concedia um selo de "conformidade". Uma comprovação de que o produto era produzido de acordo com as especificações do próprio fabricante, que podiam atender os requisitos mínimos de segurança, ou não. Até por não existirem critérios estabelecidos no Brasil para sua fabricação. Mas não importa: lá estava o selo do Inmetro. E várias delas foram reprovadas, sim, pela Unicamp.
2 ? O Inmetro concedeu inicialmente prazo até 31/9/2009 para que fabricantes e importadores se adequassem às normas finalmente estabelecidas para as cadeirinhas. Mas decidiu ser "benevolente" e estabeleceu nova data (9/6/2010) para cumprimento das exigências e portar o selo de certificação. Motivo alegado pelo próprio órgão: para desovar os estoques existentes nas lojas, embora a portaria (nº 38) tenha sido publicada em janeiro de 2007, com prazo mais do que suficiente para a necessária adequação. Foi exatamente por isso que o Contran exigiu a presença da cadeirinha nos automóveis, mas não que ela seja certificada.
3 ? O Inmetro não leu corretamente o texto ou está se fazendo de desentendido: o artigo não fala de pneus reformados, mas de remoldados. Reformados são usados sim, em ônibus e caminhões. Até em aviões. Mas as regras estabelecidas pelo Inmetro para a remoldagem de pneus de automóveis não atenderam as exigências de segurança, mas os interesses das empresas de remoldagem, BS Colway, do sr. Francisco Simeão, à frente. O ponto mais importante exigido pelas normas europeias, de se manterem gravadas na lateral as características originais das carcaças, foi adequadamente "esquecido" pelo Inmetro.
Novela da cadeirinha
Brasileiro não se preocupa com segurança nem quando se trata de proteger o próprio filho