Um acidente em que explode um avião e morrem 200 pessoas é uma tragédia que abala o país. O povo, a imprensa, os políticos, todos cobram explicações do governo e da companhia aérea.
Duas semanas depois, um Monza 1983 com pneus carecas perde o freio numa cidade do interior de Minas, atropela e mata uma menina. O acidente não merece mais do que uma foto e algumas linhas da imprensa.
No caso do Airbus, todos sabem que é um acidente provocado por uma soma de fatores: a pista curta e sem ranhuras, a chuva, o reverso de uma turbina inoperante.
Explicações não faltam: a pista foi liberada sem ranhuras por pressão das empresas aéreas. Ora, se elas são importantes exatamente no caso da pista molhada, como permitir o pouso num dia chuvoso?
O reverso da turbina estava bloqueado, mas o avião continuou operando, pois o manual do fabricante ?permite? esperar 10 dias para corrigir o defeito. Mas e se no terceiro dia estiver chovendo e o avião tiver que aterrisar numa pista curta? Finalmente, o óbvio: a pista de Congonhas não admite erro. Mas a máquina pode emperrar ou o homem errar. Ou ambos. Se o Airbus tivesse deslizado em Guarulhos, no Galeão, Confins ou Viracopos, é provável que ninguém tivesse morrido.
No caso do Monza 83, espanta o fato de que, a cada dois dias, outras 200 pessoas morrem no Brasil em acidentes rodoviários e não há comoção, nem cobrança nem protesto.
O governo omisso, inepto e inoperante no controle do tráfego aéreo é o mesmo (ir)responsável pela malha rodoviária. A incompetência na administração da verba pública resulta em estradas que induzem aos acidentes. Com mais buracos do que asfalto, sem manutenção, sinalização, fiscalização nem grades laterais protetoras.
Não há verbas, diz o governo. Verbas existem, mas foram desviadas para as superfaturadas obras das empreiteiras que pagam as despesas pessoais do presidente do Senado e de outros políticos desonestos.
Um dia, surgem migalhas de verbas e a quadrilha instalada no governo decide remendar as estradas (sem concorrência) numa operação ?tapa-buraco? que dura exatamente até a próxima chuva.
Mas o Monza 83 que atropelou e matou uma menina tinha pneus carecas e estava sem freios. É culpa também do governo?
Sim, pois já se passaram dez anos desde que o novo código do trânsito exigiu que todos os veículos sejam submetidos anualmente a uma inspeção para se verificar os itens de segurança e de emissões de gases. O prezado leitor ouviu alguém em Brasília pelo menos mencionar a intenção de obedecer à lei?
Se o governo não fosse inepto, omisso e corrupto, o Monza 83 não estaria mais circulando. Ou teria pneus adequados e freios em boas condições.
Quantos Monzas e Airbues ainda terão que se acidentar até que o governo deixe de simular soluções e ponha ponto final nesta carnificina diária?
Meio Airbus por dia
Tragédia com o avião da TAM abalou a nação. Mas os acidentes de trânsito provocam cerca de 100 mortes por dia e não há comoção, cobrança nem protesto contra o governo