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Infeliz aniversário

Dilema do governo: tornar o trânsito mais seguro e o ar mais limpo ou deixar a pé milhões de brasileiros?

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Nem sempre o engarrafamento do trânsito é provocado por um acidente ou pelo excesso de veículos na rua: quantas vezes formam-se filas quilométricas porque um carro enguiçado atravanca uma das faixas de rolamento justamente na hora do rush? E quantas vezes um automóvel sem freios ou com os pneus carecas provoca (ou quase) um acidente na rua ou na estrada?

Mas o governo tem culpa se o carro enguiçou ou circulava sem os itens básicos de segurança?

Tem.

Em setembro, completaram-se nove anos desde que foi publicado o novo Código do Trânsito Brasileiro (CTB) e que entrou em vigor quatro meses depois, em janeiro de 1997.

Se, por um lado, o rigor das multas atenuou o ímpeto e a irresponsabilidade dos motoristas e reduziu o número (proporcional) de acidentes e mortos no trânsito, por outro, o código ainda deixa muito desejar pela quantidade de itens não regulamentados e que ainda não saíram do papel. Entre eles, um que tem tudo a ver com as condições mínimas exigidas dos automóveis para que possam circular com segurança, sem poluir nem se constituir num verdadeiro perigo ambulante: a inspeção veicular.

Não há uma explicação razoável do porquê o governo federal vem protelando por nove anos esta fiscalização prevista pelo CTB. O Contran já anunciou várias vezes que a inspeção veicular seria implantada no “ano que vem” e, até hoje, nada. São milhares os carros que continuam circulando livremente apesar estarem literalmente caindo aos pedaços.

O que se imagina para justificar a passividade do governo em relação ao tema é sua preocupação com o possível caráter ‘anti-social’ da medida. Ou seja, sua implantação significaria a retirada de circulação de centenas de milhares de automóveis, exatamente os que pertencem às camadas mais pobres da população, de gente que mora na periferia das metrópoles ou nas zonas rurais. Carros com mais de 15 ou 20 anos de fabricação que circulam em condições precárias pela falta de condições financeiras de seu proprietário e que, a rigor, já deveriam ter sido sucateados há tempos. Muitas vezes essenciais para o exercício de sua profissão e para o lazer da família no fim de semana. Tão baratos e malconservados que exigiriam uma despesa de duas ou três vezes seu valor de mercado para se enquadrarem dentro das exigências mínimas da legislação.

Sua presença nas ruas e estradas representa uma ameaça à comunidade pela falta de condições mínimas de segurança, de poluição da atmosfera e risco de enguiço que conturba o trânsito.

Mas, qual o governante com coragem suficiente para implantar a inspeção veicular e deixar a pé milhões de eleitores de classes financeiramente menos privilegiadas?

Apesar dos pesares, a sociedade brasileira tem esperança de que não seja necessário celebrar mais aniversários do CTB sem que estas importantes questões do trânsito tenham sido resolvidas pelo governo federal.