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Incompetência & chantagem

Se o governo quer modernizar o sistema de fiscalização dos veículos, então que seja também aperfeiçoado o caótico sistema operacional de multas e notificações

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"Big brother" no trânsito é a novidade anunciada pelo governo: todos os veículos terão suas características gravadas eletronicamente num chip, fixado no pára-brisa. Antenas colocadas nas vias públicas recolhem esses dados e permitem verificar se o proprietário do carro pagou taxas e impostos, se há multas pendentes, vistoria atualizada ou até se foi roubado. Diante de qualquer anormalidade, a polícia poderá deter o veículo alguns metros à frente.

O projeto é de âmbito nacional, para carros novos e usados, mas o plano piloto terá início em São Paulo, em maio de 2008. A instalação do chip não será cobrada ao dono do carro.

Até aí, nada contra: é o governo se aproveitando inteligentemente das modernidades tecnológicas para aprimorar a fiscalização dos veículos. A arrecadação extra com as multas dá e sobra para pagar o chip.
Mas é aí que a porca torce o rabo, pois, se o governo quer cobrar os deveres, tem que respeitar os direitos. Se quer modernizar o sistema de fiscalização, então que seja também aperfeiçoado o caótico sistema operacional de multas e notificações.

Recentemente, por exemplo, a Polícia Rodoviária Federal anunciou que vai expedir centenas de milhares de notificações relativas a infrações cometidas nos últimos três ou quatro anos e que estavam empilhadas no armário por falta da renovação de convênios com os órgãos estaduais de trânsito.
Isso significa que, se o prezado leitor comprou um automóvel usado no ano passado e tomou o cuidado de verificar a existência de multas pendentes, de nada adiantou a certidão negativa do Detran. Só agora a infração cometida pelo proprietário anterior do automóvel numa estrada federal vai pousar na mesa do seu dono atual.

É absurdo, é inadmissível, é surrealista. Mas é prático para o governo considerar que a infração não foi cometida pelo motorista, mas pelo automóvel. É claro que o Detran sabe de quem era o carro no dia em que a infração foi cometida. Mas é muito mais prático resolver os problemas decorrentes de sua inépcia e incompetência obrigando o atual proprietário a pagar pelo erro do anterior.

É uma verdadeira chantagem do governo, pois, ou se paga a multa, ou não se renova a licença anual de circulação do automóvel.

Afinal, quem comete a infração é o automóvel ou o motorista?

Essa é uma das aberrações avalizadas pela nossa legislação e que não interessa aos incompetentes burocratas do governo que seja modificada.

Em países mais civilizados, onde o cidadão tem seus direitos respeitados, a placa não pertence ao automóvel, mas ao seu proprietário. Ela o acompanha pela vida inteira e vai sendo dependurada em todos os seus carros. Então, ele será sempre o responsável por qualquer infração cometida por um de seus automóveis. Se ela for negociada junto com o veículo, o órgão de trânsito deve ser notificado. Simples, não?