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Dedo na ferida

Os responsáveis pela legislação de trânsito sofrem pressões de poderosos grupos econômicos. E a carnificina no asfalto continua...

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Alfredo Peres da Silva, presidente do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), me convidou para proferir palestra durante a cerimônia de posse dos novos membros de suas câmaras temáticas.

E, se aceitei o convite, foi pelo respeito que tenho por sua gestão, a primeira (depois de várias desastrosas) em que se percebe competência, seriedade e vontade de fazer benfeito.

As seis câmaras ? constituídas por especialistas de todo o país ? discutem e analisam todas as resoluções técnicas do Contran. São elas que, no frigir dos ovos, determinam as diretrizes básicas do trânsito que serão executadas pelo Denatran e os Detran?s de cada estado.

Andei ferindo suscetibilidades ao afirmar que nem sempre as câmaras temáticas driblam as pressões política e econômica exercidas pelos poderosos lobistas do setor. Até porque vários deles estavam no auditório...

Desnecessário dizer que algumas das decisões das câmaras representam faturamento de bilhões de reais, pois tornam obrigatório o uso de equipamentos ou a prestação de serviços para dezenas de milhões de veículos e motoristas.

Referi-me ao trágico número de cerca de 40 mil mortos anualmente nas ruas e estradas brasileiras. E que as câmaras temáticas estão incluídas entre os responsáveis em reduzir essa carnificina do asfalto.

Fiz questão de pôr o dedo nas feridas. De lembrar aos novos membros da importância de resistir à pressão dos grupos econômicos.

E dei exemplos: a Philips, gigante multinacional, quer ver aprovada a utilização das lâmpadas de xenônio. Pressiona as câmaras temáticas com argumentos técnicos distorcidos e interpreta a lei de acordo com sua conveniência. Não importa que, instaladas em automóveis não projetados para seu uso, vão ofuscar outros motoristas e provocar acidentes. Seu interesse é de faturar, seja lá como for.

Lembrei de outro absurdo da nossa legislação, a exceção que se abriu (por pressão das fábricas de automóveis) à obrigatoriedade de se carregar crianças somente no banco traseiro: no caso da picape sem banco atrás, elas podem ser levadas na frente. E morrer, no caso de um acidente.

Foram também as montadoras que pressionaram o Contran para não exigir o apoio de cabeça e o cinto retrátil no centro do banco traseiro. Uma decisão que não resiste à mais básica das questões: o quinto passageiro não necessita ser igualmente protegido?

Critiquei o Contran porque, se de um lado exige cada vez mais segurança nos ônibus, de outro permite o transporte assassino de boias-frias nas carrocerias de caminhões. Uma das aberrações que se tenta marotamente justificar em função da ?realidade do país?.

Se a sociedade brasileira se rende à ?nossa realidade econômica?, que não proteste então contra as 40 mil mortes anuais. Mas, se exige um ponto final no descalabro que tomou conta do nosso trânsito, que fique atenta às decisões das câmaras temáticas do Contran.