Luiz (nome real), cansado dos descontroladores de vôo, trocou o avião pelo ônibus. Para descobrir que o controle rodoviário é ainda mais precário. A maioria dos ônibus interestaduais, por exemplo, não está equipada com os cintos de segurança previstos por lei. Ou não existem, ou estão quebrados.
Na semana passada, antes de iniciar viagem, ele chama o motorista da Viação Cometa e mostra o cinto inoperante. A sugestão do chofer é que ele preencha o livro de reclamações. Ao insistir em viajar com o cinto, recebe o apoio de dois outros passageiros e vaia dos demais. O motorista decide então, em vez de pegar a BR-040 em direção ao Rio, tocar para a garage da Cometa, apesar dos protestos da maioria dos passageiros, preocupados com o atraso da viagem. Uma passageira diz que não usa cinto em hipótese alguma e pergunta ao Luiz se ele "quer consertar o mundo"...
Chegando na garagem, não tem ônibus com os cintos em ordem. Mas o chefe da manutenção tem a genial idéia de oferecer um outro igualmente sem o equipamento, mas produzido antes de 1999.
"É porque a lei - diz triunfante - só exige cintos em ônibus produzidos depois de janeiro de 1999". Naquele, os passageiros ?chatos? não podiam mais alegar que a Cometa estava fora-da- lei.
Por coincidência, o Estado de Minas do dia seguinte estampava matéria com o alto índice de acidentes nas rodovias mineiras no último feriado prolongado. Entre eles, um ônibus da Util, que tombou no km 694 da (mesma) BR-040, se arrastou fora da estrada e caiu em uma ribanceira de 20m de altura. Três morreram e 42 se feriram. "Poucos passageiros usavam o cinto de segurança", segundo a PRF.
Se alguém tivesse tentado (e conseguido) "consertar o mundo" no ônibus da Util, quem sabe três vidas teriam sido poupadas...
Crime
Por falar em insegurança, é comum o motorista colocar seu filho no colo para dirigir de mentirinha. Não são poucos os casos em que o pai esmaga a criança contra o volante. Outro dia, eu presenciei a cena com um motorista que é meu vizinho. Parei e comentei do risco que ele e seu filho corriam. "É só até ali", foi a melhor explicação que ele encontrou para justificar a ignorância.
E nesse "é só até ali", tome criança no banco dianteiro, bebês soltos no traseiro, passageiros sem cintos atrás e até o crime maior: os filhos se divertindo a valer nos porta-malas das peruas. Pai que deixa criança ali é assassino em potencial, pois a parte traseira da carroceria é projetada para ceder na eventualidade de receber um impacto. Ou seja, ela se amarrota (e danifica a bagagem), mas protege a parte central, onde estão os passageiros.
Se alguém sugerir ao motorista que levar crianças ali é extremamente perigoso, vai ouvir ?é só até ali? ou ?você quer consertar o mundo??
Cometa fora-da-lei
Brasil é um país em que tem lei que 'não pega', principalmente quando o assunto é segurança veicular