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Canetada inócua

Ministro proíbe passageiro de beber sua cervejinha. Mas motorista de caminhão pode tomar sua cachacinha

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A caneta é a ferramenta do incompetente.

O centro da cidade está entupido de automóveis? Então dá uma canetada, cria o rodízio e proíbe a circulação de uns tantos deles. Mas não faltam artifícios para contornar a medida. Quanto mais rico o motorista, mais fácil. Pois ele tem sua Mercedes e BMW com finais de placa adequados para não ficar nunca a pé. Mas a classe média também se vira e bota uma BMV (Brasília Muito Velha) para rodar uma vez por semana. Rodar é maneira de dizer, pois ela mais enguiça (e engarrafa o trânsito) do que anda. Fora as nuvens de poluição emitidos pela descarga. E o perigo que representa pelos freios inoperantes, pneus carecas, lâmpadas queimadas.

Tem solução melhor?

Londres é bom exemplo: automóvel só entra no centro comercial pagando pedágio. Solução que exige muito mais que uma canetada, pois tem que se implantar um sofisticado esquema para pagamento do pedágio e um complexo sistema eletrônico de fiscalização para multar os infratores.

Mais trabalhoso ainda é oferecer ao cidadão um serviço eficiente de transporte coletivo: em Tóquio, 80% da população vai trabalhar usando metrôs, trens e ônibus.

Outra canetada para ninguém botar defeito foi aplicada agora pelo ministro Tarso Genro, ao proibir a venda de bebidas alcoólicas nos postos e restaurantes às margens das rodovias federais. Pode contribuir para reduzir a probabilidade de motoristas dirigirem alcoolizados. Mas pune quem não tem nada com a história. Um ônibus interestadual pára no posto, como de praxe. Para evitar que o motorista beba, os 40 passageiros ficam privados de sua sagrada cervejinha.

Por outro lado, encosta um caminhão no mesmo posto e o motorista entra para o almoço, regado a refrigerante. Mas seu apetite já tinha sido estimulado por uma boa dose de cachaça (ou conhaque...) da garrafa que ele carrega na boléia.

A solução raramente está na canetada. Claro que ela é necessária em algumas circunstâncias. Mas, o que funciona no trânsito é uma fiscalização eficiente. Com policiais bem treinados e remunerados (para não caírem na tentação da corrupção) e dispondo dos equipamentos necessários para cumprir sua missão. Como medir o teor alcoólico do motorista sem o bafômetro ou similar? E a transparência luminosa dos vidros sem o respectivo medidor?

O brasileiro se decepciona quando um ministro diz que vai tomar medidas rigorosas para reduzir a carnificina do asfalto. Porque, em vez de providenciar a recuperação das estradas, a implantação da inspeção veicular, a fiscalização severa nas rodovias e fazer cumprir a legislação específica do trânsito, o que ele anuncia é mais uma discutível canetada.