Desde a abertura do mercado aos veículos importados, em 1990, que as quatro grandes montadoras com fábrica no Brasil – Fiat, Ford, GM e VW – tiveram que levantar de seus berços esplêndidos para fazer frente à concorrência que chegava. Tantas outras fabricantes de veículos se estabeleceram, construíram aqui suas linhas de montagem e pouco a pouco foram avançando no ranking de participação de mercado, mas sempre em busca somente da quinta posição, e um novo padrão se sucedeu, dando origem a outro tipo de acomodação. Com o desenvolvimento da economia, no entanto, novas marcas abriram os olhos para o mercado brasileiro. Foram chegando devagar, abocanhando um ou outro espaço no gosto do consumidor, e o resultado agora tem jeito de ameaça: mais uma vez as grandes (e veteranas) fabricantes veem sua participação diminuir, enquanto os estoques aumentam. E a culpa não está somente na contenção de crédito. Há outras tantas marcas que já garantem suas presenças, e viraram peça importante na divisão do bolo. Cenário que, se não justifica, explica as medidas adotadas pelo governo federal na semana passada, que elevam o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos veículos importados, principalmente de marcas que não têm fábrica no Brasil, em 30% e devem fazer com que o quadro de vendas volte a mudar.
Em palco, as coreanas Hyundai e Kia e as chinesas em geral, com destaque para Chery e JAC. Não é a toa que virou lugar comum a preocupação com a importação de veículos. Não é a balança comercial que preocupa os grandes fabricantes, mas o avanço de certas marcas no mercado brasileiro. Dados da Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos Automotores (Abeiva), da qual só participam as marcas que não têm fábrica no Brasil, revelaram alta de 11,3% em agosto, nos emplacamentos de seus associados, em relação a julho, o que significou um aumento também na participação de mercado: de 6,37% para 6,64%. Mas se os números forem comparados a agosto do ano passado, o aumento nas vendas foi de nada menos que 104,1%. Percentual que sobe para 112,4% se confrontados os dois períodos de janeiro a agosto.
Dona da maior fatia que puxou a alta dos importados, a Kia teve 33,4% de responsabilidade nos 20.420 emplacamentos da Abeiva em agosto, no Brasil; seguida da Chery, com 16%, e da JAC Motors, com 15,6%. E serão justamente estas as marcas mais atingidas pelas novas medidas do governo.
RANKING TOTAL E a tendência não é diferente do confirmado pelos dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), que englobam todos os modelos emplacados no país. Desde janeiro deste ano, a Kia, que tinha 1,99% de participação no mercado como um todo (considerando-se a soma de automóveis e comerciais leves), foi crescendo mês a mês até abril, quando chegou a 2,82%. No decorrer do ano recuou um pouco e terminou agosto com 2,21%. No acumulado do ano, mantém o 11º lugar, com 2,41% de participação de mercado, à frente de marcas como Nissan e Mitsubishi.
Já a Hyundai vinha se consolidando no sexto lugar – atrás apenas da Renault –, com 3,31% de participação no acumulado do ano. O crescimento da marca é expressivo, principalmente se analisados os últimos cinco anos: no fechamento de 2006, não figurava no quadro de emplacamentos por marca da Fenabrave (automóveis mais comerciais leves); em 2007, já aparece em 11º, com 0,81% de participação de mercado; em 2008, subiu uma posição (1,64% de participação); em 2009, foi para o oitavo lugar (3,37%); e em 2010 para o sétimo (3,18%).
A Chery aparece timidamente no ranking da Fenabrave em 2009, com apenas 0,09% de participação e um 17º lugar. Em 2010, a marca manteve a posição, mas conseguiu elevar sua participação nos emplacamentos para 0,21%. E no acumulado de 2011 está em 15º, com 0,57%. A marca já foi superada pela JAC Motors que chegou no país em março deste ano e merece total atenção. Começou no 20º lugar, com 0,16% e chegou em agosto, em 15º, com 1,04% dos emplacamentos. No acumulado do ano tem uma posição a mais (14º), mas a participação é de 0,65%. Nessa briga de chinesas, merece ser observada ainda a Hafei, que vem ganhando destaque entre os comerciais leves, desde o ano passado, o que rende o 16º lugar no ranking geral, atualmente com 0,52% de participação.
ALGUÉM TINHA QUE CAIR Mediante a entrada de tantas marcas novas, era natural a queda de participação daquelas que até então dominavam o mercado. Pode até ser que, com a explosão de vendas que dominou este mercado desde o aquecimento da economia, no governo Lula, a indústria, diante dos números absolutos crescentes, não tenha dado a devida importância à redução nos percentuais de participação de mercado. Fato é que, desde 2006 (veja quadro), sua representação no número de emplacamentos foi caindo. Luz vermelha que só agora acende frente à queda de movimento nas revendas e aumento dos estoques.
ANÁLISE DA NOTÍCIA
FIM DA CONCORRÊNCIA SAUDÁVEL - PAULA CAROLINA
Para o consumidor, os efeitos começavam a ser sentidos com a redução de preços – os veículos chineses chegaram com a promessa de excelente custo/benefício – e incremento de equipamentos de série em modelos mais básicos, fazendo com que os concorrentes tivessem que conceder descontos para não perder venda. A Ford, por exemplo, tratou logo de equipar seus Fiesta e Fiesta Sedan 1.6, com airbag duplo e freios ABS, pelo mesmo preço dos chineses JAC J3 e Turin (R$ 37.900 e R$ 39.900). Outro benefício era a corrida pela atualização das linhas de produtos com incremento de tecnologia e design moderno para fazer frente aos que chegavam com novidades. Com a alta exorbitante do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para os importados, a indústria nacional não será mais forçada a reduzir preços e, mais uma vez, o consumidor deverá perder.
Por que o imposto subiu
Grandes marcas têm ajuda oficial para deter avanço das pequenas no mercado