Dizer que no tempo do antigo Departamento de Aviação Civil (DAC) a aviação comercial doméstica brasileira era um primor na prestação de serviço é um exagero. Mas afirmar que atualmente a aviação comercial doméstica brasileira está uma bagunça é fato.
Para quem anda dependurado nas asas dessas máquinas maravilhosas por mais de 50 anos, vê com tristeza o momento atual.
Para quem já foi recepcionado numa sala de embarque ao som de um piano, com um serviço de canapés e sucos de boa qualidade e um serviço de bordo elogiável não pode se conformar com a pobreza atual gerada por uma inclusão social demagógica, que nivelou por baixo a qualidade dos serviços prestados pelas empresas aéreas e aeroportuária.
Nada contra a inclusão social, mas tudo contra aqueles que trabalharam para concretizá-la sem se preocupar de oferecer aos incluídos e aos usuários frequentes um mínimo de conforto no solo e a bordo. Um mínimo de dignidade.
Sob a minha ótica, o divisor de águas está no ano de 2001, quando um empresário brasileiro do setor de transporte terrestre copiou o que havia de novidade na Europa e nos Estados Unidos e implantou em nosso país o sistema baixo custo, baixa tarifa. Um engodo, uma vez que os preços atuais estão quase todos nivelados. Preços baixos, apenas com muita antecedência na compra e em determinados dias da semana.
A iniciativa trouxe avanços e também práticas que foram impingidas aos usuários. Tentando valer-se do mesmo projeto, algumas chegaram a quebrar, pois tentavam manter preço competitivo, mas não desejavam abrir mão totalmente de um serviço mais qualitativo. Trouxe práticas não existentes nos países de origem do modelo copiado. Uma das que se consolidou rapidamente foi a venda de bilhetes de passagem a crédito. Voar pagando de seis a 10 vezes sem juros acelerou a inclusão social e entupiu os aeroportos.
O aumento da demanda ampliou o desejo de ganhos dos empresários. Estes escolheram alguns aeroportos para funcionarem como hubs (aeroportos de distribuição de passageiros) e para eles fizeram convergir diversos voos de diferentes origens. Nessa malha aérea intrincada, quando uma dessas conexões atrasa, a malha fica toda prejudicada e as coordenações de voo das empresas colocam em prática um arsenal de artimanhas para ludibriar os passageiros.
Em 4 de março, sexta-feira antes do início do carnaval, um passageiro tinha programado o seu voo de Belém para Belo Horizonte. Para mão fugir à regra de voos atrasados nos dias de grande demanda, o seu voo da empresa Gol saiu com 50 minutos de atraso. A conexão de Brasília só sairia às 20h40, havia um intervalo de cerca de uma hora de espera no transbordo. Chegando no aeroporto de Brasília foi tomado de alegria. No painel de avisos constava que o seu voo estava confirmado e sairia no horário previsto. Ficou tão contente que até desistiu de disputar um lanche numa acanhada lanchonete, existente no interior da sala de embarque. Ele estava disposto a se acomodar num lugar desconfortável no aeroporto, cheio de passageiros jogados pelo chão. Coisa que não vemos no terminal rodoviário de nossa cidade.
À medida que o horário da partida se aproximava, começava a ser sentido o malabarismo da coordenação de voos da empresa Gol. O avião que faria o seu voo e que tinha o seu horário confirmado deve ter sido alocado para outro destino, mas no painel continuava a situação de confirmado. Foi quando ele deduziu o engodo. O voo estava confirmado, mas o horário não. O painel não foi projetado para esse fim, mas se não era falha da administração do aeroporto, era uma artimanha da empresa Gol, pois o seu voo saiu com 1h20 de atraso.
Ainda nessa viagem, foi possível observar o desperdício de recursos na Infraero. Na sala de embarque do Aeroporto de Belém existem uns cilindros verticais, que se assemelham àqueles aquecedores a gás, que encontramos em nossos ambientes públicos nos dias frios de outono e inverno. Mas aquecedores na cidade de Belém seria um disparate. Procurando saber do que se tratava, foi informado que aqueles cilindros mostrengos faziam parte de um sistema de ar condicionado que não funcionava. Serviam apenas para ocupar um espaço, que poderia ser melhor aproveitado para o conforto dos passageiros.
Aeroportos entulhados de pessoas em salas desconfortáveis, aviões atrasados já estão se tornando uma prática rotineira, aviões desconfortáveis transitam sem nenhuma referência ao seu item de conforto, como prometera a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), pobre de nós.