Motoristas não podem ser culpados por 90% dos acidentes quando grande parte deles acontece ou é agravada por condições impostas pelas vias. Essa é a conclusão do instrutor de direção defensiva da ALC Treinamento Rogério Mateus, que, viajando cerca de 300 quilômetros por dia, há anos observa situações críticas existentes nas rodovias. Piloto de teste de montadora por 21 anos, Rogério acredita que responsáveis por construir e/ou recapear estradas no Brasil não levam em conta aspectos importantes da mecânica do veículo. Ele percorreu trechos do Anel Rodoviário e de BRs que dão acesso a Belo Horizonte com equipe de reportagem do caderno Vrum, apontou o que considera ser erro grave de projeto nas muretas de concreto que dividem as pistas e mostrou pontos que se transformam em perigosas armadilhas, o que deu origem a uma série de reportagens que o Vrum publica a partir de hoje.
O projeto dos muros de concreto, conhecidos como New Jersey (onde foram desenvolvidos, nos EUA), é a origem das denúncias e preocupações de Rogério Mateus. Assunto polêmico que divide opiniões, conforme aponta consulta feita a especialistas de diversas áreas. Só que os problemas ultrapassam a discussão das barreiras de concreto. Estão por toda a sua extensão e deixam vestígios mortais. O Anel Rodoviário, por exemplo, tema desta primeira reportagem, voltou a ser percorrido (alguns trechos a pé) pela reportagem, que constatou que as muretas nem sequer seguem um padrão. Não têm as mesmas medidas ou o mesmo tipo de superfície – em alguns casos lisa, em outros rugosa – e são vários os tipos de inclinação.
Logo, para dar início a esta série, foram escolhidos cinco pontos do próprio Anel, apontados como muito críticos por Rogério, que também foram analisados por três outros especialistas em segurança de estradas, com formações distintas: Geni Bahar, consultora de segurança de tráfego em estradas; Eduardo Tondato, engenheiro de segurança rodoviária; e Décio Luiz Assaf, membro do Comitê de Segurança Veicular da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil). Todos concordam que, acima da discussão da forma como devem ser projetadas as muretas, estão as graves falhas que existem em seu entorno, mencionadas a seguir.
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), responsável pelo Anel Rodoviário, não retornou as ligações nem os e-mails da reportagem.
PALAVRA DE ESPECIALISTA
A mais de 150km/h
Décio Luiz Assaf, engenheiro mecânico
Em princípio, as fotos mostram problemas na forma das barreiras e de resistência estrutural insuficiente, devido a quebras altamente perigosas. Aparentam ter deficiências de acabamento, com formas não uniformes e algumas com superfícies irregulares e rugosas, que podem provocar dificuldade no giro e deslizamento do veículo em impactos, quando deveria ser direcionado paralelamente à barreira. As dimensões/altura/ângulo da mureta em relação à parte vertical da primeira superfície inclinada aparentam não ser adequadas, podendo provocar a subida vertical excessiva do veículo em caso de impacto, como indicado em algumas fotos. Um dado importante é que, quando se faz teste de impacto em veículo, se ele bater a 50km/h contra uma barreira perpendicular (situação em que a mureta perde o efeito, como nas fotos que mostram obstáculos de concreto ou o espaço entre as muretas), equivale a uma batida a 150km/h na traseira de outro veículo a 50km/h. Por isso é tão crítico.