A Toyota ostenta duas lideranças mundiais: a de maior fabricante de veículos e também a que tem o maior recall já feito na história da indústria do automóvel (veja quadro). O cerco ao fabricante se fecha, principalmente nos EUA, com sabatinas no congresso e investigação rigorosa para esclarecer as causas e também o motivo da demora em convocar os proprietários para corrigir o defeito. Entretanto, no Brasil já são oito relatos, todos com conhecimento da subsidiária, que se limita a divulgar uma nota informando que os modelos vendidos aqui utilizam componentes diferentes dos usados nos veículos afetados no restante do mundo.
Desde o fim de janeiro, consumidores relatam casos em que o carro dispara repentinamente. Dos seis já publicados pelo jornal Estado de Minas (veja quadro), a Toyota afirma em quatro deles aos consumidores, após análise feita pela revenda autorizada, que o tapete prende o pedal do acelerador, motivado pela má fixação das duas presilhas. Em outro caso, em que o carro sofreu perda total, a Toyota informou que não fez análise. Questionada se não seria interessante avaliar o carro a fábrica não se manifestou.
Tapete
A esses relatos soma-se o do engenheiro civil Manuel Costa, de Camaçari (BA), que foi vítima do problema do acelerador que travou duas vezes. Proprietário do Toyota Corolla automático modelo 2009, ele diz que na primeira vez teve sorte, pois a pista estava livre e conseguiu parar o carro colocando na posição N (neutro). Da segunda, já sabia como proceder e refez a operação para parar o carro.
Manuel esperou o carro completar 20 mil quilômetros rodados, para levá-lo à concessionária em Salvador junto com a revisão programada e, na véspera, entrou em contato com o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) da Toyota, via e-mail relatando o problema. "Eles responderam e pediram para saber em qual concessionária eu levaria. Quando cheguei lá, o gerente de serviços estava a minha espera", lembra.
Manuel relata que o gerente de serviço solicitou que ele ficasse presente durante a verificação e, no intervalo de 30 minutos, os funcionários da concessionária simularam diversas situações, com o veículo na posição N, em que o tapete poderia agarrar no pedal e fazer com que ele travasse, sendo que isso aconteceu duas vezes. "O problema é no tapete. Existem duas travas, que quando soltas podem fazer com que o tapete agarre no pedal. Nas duas vezes meu carro tinha ido para um lavajato, que retirou a trava do tapete para limpá-lo e não o prendeu corretamente", afirma Manuel.
Depois dos sustos, Manuel tirou o tapete, mas está descontente com a orientação dada pelo fabricante, que pediu para que ficasse atento, o que ele considera muito pouco. "Uma coisa é um defeito que pode tirar a vida de alguém, como um acelerador que trava, e que deve receber atenção especial da fábrica. Não é um problema no vidro elétrico no ou limpador de para-brisa", contesta.
Mistério
Entretanto, o que torna a questão mais complexa é o caso, ocorrido no Rio de Janeiro, quando a bióloga Joseli Lannes passou pelo problema duas vezes, sendo que depois da primeira, ela retirou o tapete, pois se informou do que estava acontecendo com outros carros. Mais uma vez questionada, a fábrica não respondeu o que poderia ter acontecido com o Corolla de Joseli, mesmo o veículo tendo sido avaliado por uma concessionária.
Também questionada sobre o motivo de não convocar um recall para o tapete que coloca em risco a vida dos condutores ou mesmo emitir um alerta, como a fábrica chegou a fazer primeiramente nos EUA, a Toyota também nada respondeu. O argumento usado é que o pedal que equipa os modelos brasileiros é de origem japonesa, da fabricante de autopeças Denso, enquanto o problema se concentra no pedal de outra fornecedora, a CTS, cujo processo de reforço, com uma pequena placa de aço está em andamento. Os dois componentes tem uma estrutura diferente, porém ambos são com a tecnologia drive by wire, ou seja, eletrônicos.
Outro ponto que amplia a desconfiança do consumidor brasileiro é a investigação do FBI, departamento de investigação federal dos EUA, na semana passada sobre três fabricantes de autopeças fornecedoras da Toyota: Yazaki North America, Tokai Rika e a Denso, que é a mesma que fornece os pedais brasileiros e tem participação da Toyota em suas ações. A operação foi apresentada com o objetivo de buscar garantias para investigação anti-trust.
Descrença
A postura indiferente da filial brasileira levou o professor André Valente, de Cuiabá, a não comunicar os problemas que teve com o Corolla 2009/2010 equipado com câmbio manual. André diz que desde que pegou o carro, em dezembro do ano passado, estranha o retorno lento do pedal do acelerador e quando eleva o giro do motor tem a sensação de que o carro continua acelerado enquanto troca de marcha. Porém, o mais grave aconteceu quando ele tirou o pé do acelerador e o pedal ficou travado. André relata que só conseguiu parar após empregar bastante força no pedal de freio.
O problema voltou a acontecer quando foi mostrar o carro a um amigo. "Gritei para ele parar e ele, muito nervoso, disse que o carro estava acelerando sozinho", afirma André. Ele diz que um acidente não aconteceu "por questão de milímetro". André ligou para a concessionária na qual comprou o carro e foi orientado a esperar pela revisão para que o carro fosse avaliado. O carro dele rodou 2,6 mil quilômetros e a primeira revisão programada é aos 5 mil quilômetros. ?Vi no orkut (site de relacionamento) que muitas pessoas entraram em contato com o SAC da Toyota e não adiantou nada. O medo que sinto é manter a aceleração mais alta e isso acontecer novamente?, explica André.
Investigação
O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) informou que notificou a Toyota e que está investigando os casos no Brasil. Já a Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) marcou uma audiência para terça-feira.
Casos no brasil
1 ? Maria do Carmo Barros de Melo, de Belo Horizonte
Situação: Carro desceu disparado e entrou na Avenida do Contorno em
alta velocidade. Conseguiu parar colocando o câmbio na posição N e
desligando na chave.
Posição da Toyota: Tapete mal fixado.
2 ? Niarley de Pinho Tavares, de Sabinopólis (MG)
Situação: Carro disparou na estrada, usou muita força para pisar no freio, mas só parou colocando na posição N.
Posição da Toyota: Tapete mal fixado.
3- João Sena, de Belo Horizonte
Situação: Carro já disparou três vezes com ele.
Posição da Toyota: Tapete mal fixado.
4- Daniela Moreira Lima, de Natal
Situação: Carro disparou e subiu em cima do canteiro central de uma avenida.
Posição da Toyota: O tapete não era original e por isso provocou o problema.
5 ? Patrícia Correa, de Belo Horizonte
Situação: Carro disparou na entrada da garagem, bateu na pilastra, os airbags dispararam e teve perda total.
Posição da Toyota: Não avaliou o carro
6 ? Joseli Lannes, do Rio de Janeiro
Situação: Carro disparou duas vezes, sendo que na segunda a consumidora já havia retirado o tapete.
Posição da Toyota: Nenhuma
7 ? Manuel Costa, de Camaçari (BA)
Situação: Carro disparou duas vezes.
Posição da Toyota: Tapete mal fixado.
8 ? André Valente, de Cuiabá
Situação: Carro disparou duas vezes.
Posição da Toyota: Não avaliou o carro.
O buraco é mais embaixo...
Boris Feldman
Quanto mais a Toyota abre o jogo nos EUA e no Japão, mais sua filial brasileira se fecha em copas. Ela resolveu ignorar os inúmeros e comprovados casos de problemas ocorridos com o Corolla fabricado em Indaiatuba (SP). Ela procura se isentar de responsabilidade ao alegar que o pedal do acelerador tem outro fornecedor no Brasil (Denso) e o mecanismo é diferente do americano, fornecido pela CTS. E atribui ao tapetinho solto o problema de aceleração espontânea ocorridos aqui. Só que as coisas não são tão simples como sugere a Toyota, pois há um caso ocorrido depois de o motorista ter retirado o tapetinho. Alem disso, há evidências de que o buraco é mais embaixo e a Toyota do Brasil parece ignorar o que se passa nos EUA e que joga por terra seus argumentos locais:
? Em primeiro lugar, ela diz que o acelerador aqui não trava porque o fornecedor local é a Denso enquanto nos EUA é a CTS. Entretanto, sabem o que declarou o CEO (presidente)da CTS, Mr Vinod Khilnani? Que os problemas de aceleração espontânea do Corolla nos EUA existem e são investigados desde 2003. E a CTS só começou a fornecer o pedal para a Toyota em 2005.
? Em segundo lugar, aparentemente, a filial brasileira não tomou conhecimento de que, na semana passada, o presidente da Toyota nos EUA, James E. Lentz III, afirmou que há suspeitas de que o recall feito no pedal nada resolva, pois o problema pode não estar em seu mecanismo, mas no sistema eletrônico do carro.
Histórico
Agosto de 2009
Quatro pessoas morrem quando um Lexus perde o controle nos EUA.
Setembro de 2009
Toyota convoca 3,8 milhões de veículos para substituir o tapete, apontado como responsável por prender o acelerador em diversos modelos da marca.
21 de janeiro
Toyota convoca 2,3 milhões de veículos, dizendo que a causa da aceleração descontrolada também pode ser o pedal que agarra no fundo. Desses, 1,8 milhão já havia sido convocado para a ação do tapete.
26 de janeiro
Toyota suspende a venda de oito modelos até encontrar a solução. São eles: Corolla, RAV4, Camry, Matrix, Avalon, Highlander, Tundra e Sequoia.
28 de janeiro
Mais 1,1 milhão de veículos no recall do tapete que agarra.
29 de janeiro
Recall anunciado para 1,8 milhão de veículos na Europa por causa do acelerador que prende.
31 de janeiro
Toyota apresenta solução para o pedal problemático e inicia o recall.
31 de janeiro
Toyota faz recall de veículos da América Latina e África, que são importados dos EUA e Europa.
2 de fevereiro
Toyota admite problema no freio do Prius.
8 de fevereiro
Os oito modelos que tiveram a produção paralisada voltam a ser produzidos.
9 de fevereiro
Toyota convoca recal de 426 mil unidades dos modelos Prius, Sai e Lexus por causa do freio.
NHTSA investiga problemas na direção elétrica do Corolla nos EUA
10 de fevereiro
Assembleia Legislativa de Minas convoca audiência pública e Toyota terá que explicar casos no Brasil
22 de fevereiro
Secretário de transportes dos EUA, Ray LaHood, afirma que problemas de aceleração espontânea existiam desde 2003 e que pode ser causa de 34 mortes.
23 de fevereiro
James Lentz, diretor de operações da Toyota nos EUA, admite que os recalls podem não ter sido suficientes.
24 de fevereiro
Presidente da Toyota, Akio Toyoda, pede desculpas pelas falhas e atribui culpa a crescimento acelerado da empresa.
1º de março
Recall para mais 934 mil veículos devido à fragilidade da parte plástica ligada ao sistema de injeção de combustível, que pode se degradar com o tempo, podendo provocar vazamento. Os modelos atingidos são Avalon e RAV 4.