Há pouco mais de dois anos em São Paulo a roda de um ônibus urbano se soltou, e o veículo, desgovernardo, atropelou seis pessoas na calçada e matou uma. Antes do acidente com morte, outro ônibus da mesma empresa havia tido o mesmo problema. A sucessão levou a prefeitura da capital paulista a cassar o alvará da empresa alegando falta de manutenção. O episódio motivou o Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças) e a Associação Latino-americana de Pneus e Aros (Alapa) a realizar uma análise laboratorial das rodas.
"Grande parte dos acidentes automobilísticos é atribuída ao motorista ou à condição da via, mas, muitas vezes, é uma autopeça a culpada, como neste exemplo de São Paulo, e não a falta de manutenção, como foi alegado", afirma o assessor de assuntos institucionais do Sindipeças, Franklin Mello Neto. Para justificar o argumento, Franklin revela o resultado do boletim técnico da Alapa. Segundo o boletim, foram coletadas amostras de rodas para transporte de cargas e passageiros não originais e importadas de países asiáticos (leia-se chinesas), que foram submetidas a testes de durabilidade em laboratório, conforme a Norma SAE J267.
O primeiro teste exigia uma ciclagem mínima de 1 milhão de ciclos. A primeira roda se quebrou com 507 mil ciclos e a segunda com 747.110 ciclos, ou seja, não passaram de 70% do mínimo. Outro problema foi o diâmetro do furo central encontrado, que é diferente do especificado. Essa diferença pode causar a quebra prematura em rodas que são centradas pelo cubo. A planicidade também estava maior que o admissível, o que ocasiona trincas e soltura das porcas de fixação. Faltavam também dados para rastrear o produto, como país de origem e data de fabricação, além do nome real da empresa, pois só constava o nome fantasia.
As análises laboratoriais também revelaram que a matéria-prima é de baixa qualidade e que no teste da névoa salina, em que as rodas deveriam suportar pelo menos 504 horas sem oxidação, o processo corrosivo se iniciou com 120 horas, enquanto o padrão dos fabricantes nacionais de primeira linha é de 1 mil horas. As rodas analisadas foram provenientes de seis empresas, todas asiáticas, e, além dos riscos à segurança, a péssima qualidade gera problemas de desconforto, dirigibilidade, desgaste prematuro dos pneus e dos componentes da suspensão.
Fiscalização
No fim do ano passado, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) publicou as normas para a produção de rodas para o mercado de reposição. Agora, é aguardada a publicação dos regulamentos para a fiscalização das rodas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). De acordo com o chefe substituto da divisão de programas da avaliação da conformidade do instituto, Leonardo Rocha, a publicação deve acontecer nas próximas semanas.
Entretanto, existe uma diferença grande entre a publicação e a real fiscalização das rodas que podem matar e são vendidas impunemente. "Sempre é necessário um prazo de adequação, estudado com o setor, em função de os laboratórios se adaptarem e poderem conduzir as análises", explica Rocha. Questionado por que só agora o Inmetro decidiu fiscalizar o mercado de peças de reposição, Rocha disse: ?Começou uma enxurrada de produtos vindo de fora, principalmente chineses, o que está acarretando desequilíbrio na concorrência sem o nível mínimo de qualidade aceitável?.