Já é lei desde segunda-feira. Candidatos a tirar a Carteira Nacional de Habilitação, cujos processos foram abertos a partir dessa data, precisam ter 20% das aulas práticas à noite. A exigência, fruto da Lei 12.217/2010, regulamentada pela Resolução 347 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), é discutida há algum tempo por diversos setores da sociedade e foi bem recebida em muitas áreas. Contudo, gera polêmica entre os profissionais que lidam mais de perto com o tema: os instrutores de direção. Muitos acreditam que, na prática, a medida será inócua, tendo em vista a impossibilidade de fiscalização, pelos Detrans, de seu cumprimento. Além disso, preocupa o aumento de carga horária dos profissionais, podendo gerar encargos trabalhistas que refletirão no bolso dos candidatos à habilitação.
"No trânsito, a pessoa que se habilita depara-se com muitas adversidades. E, portanto, deve estar preparada para isso, treinando nas mais possíveis diferentes situações. Não só à noite, mas sob chuva, neblina, trânsito rodoviário, vias pavimentadas e não pavimentadas", afirma o professor de direito de trânsito e presidente da Comissão de Direito de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Paraná, Marcelo José Araújo. "Quanto mais preparado estiver o pretenso condutor, melhor. Fatalmente, ele irá se deparar com o trânsito noturno; mas há também os outros fatores como a direção em estradas e adversidades do clima", enfatiza.
"É válido. Não é preciso lei para saber a importância do treinamento no período noturno. Os futuros condutores precisam treinar em horários e em condições diferentes?, alerta a diretora de ensino, especializada em educação de trânsito, Geralda Cláudia Hipólito Braga, do Centro de Formação de Condutores Moderna. Ela, no entanto, teme que, na prática, a medida não surta efeito: "A intenção é boa. Mas como os Detrans vão fiscalizar? Como essa carga horária de 20% vai ser conferida na prática?". E a educadora vai além nos questionamentos: "Que pesquisas foram feitas, garantindo que o treinamento no período noturno vai reduzir acidentes? E nos trajetos rodoviários? Há estatísticas ligando acidentes à falta de treinamento? Eu não sou contra, até defendo a ideia, mas gostaria que se fizesse essa analogia".
CONTROLE
"Isso não é novidade. Nós já damos aulas à noite", afirma o instrutor e diretor do Centro de Formação de Condutores Havaí, Ramiro Abdon, referindo-se ao procedimento já adotado pela maioria dos centros de formação, em função de adequação à possibilidade de alunos que não têm tempo de treinar durante o dia. Ele considera, no entanto, que a inclusão de aulas à noite para todos os candidatos é, sem dúvida, um acréscimo na aprendizagem, já que, no início, há certa dificuldade de se enxergar nesse horário e se desenvolver habilidade com os faróis; mas, como Geralda Cláudia, tem receio da falta de fiscalização. ?Sem a biometria (a técnica de marcar presença com os dedos atualmente usada para controle das aulas nos casos de renovação), será difícil controlar.
Do mesmo centro, o professor de legislação Raniel Cezano acredita ser interessantes as aulas à noite, que trazem uma dinâmica diferente, que depois será enfrentada pelo futuro motorista. Raniel, no entanto, teme que a medida deixe sobrecarregados os profissionais do setor, que terão necessidade de fazer um número maior de horas extras. "A infraestrutura é complicada, assim como a questão trabalhista", lembra. O instrutor de direção do centro Activa, Edvaldo Nunes, é mais enfático: "Isso não altera nada. Quem sabe, sabe. Você não faz um curso diferente porque é à noite ou durante o dia. Quem quiser aprender, aprende".
Alguns instrutores admitem que, algumas vezes, são procurados por recém-habilitados, em busca de aulas à noite ou em regiões fora do trânsito urbano como o Anel Rodoviário.
MINAS
Para o chefe do setor de habilitação do Detran-MG, Anderson França, as aulas noturnas deveriam ser adotadas como uma recomendação e não como exigência, assim como o treinamento em rodovias e sob chuva. Mas o órgão seguirá a determinação do Contran. Sobre a fiscalização, ele reconhece que, a princípio, terá que confiar nos centros de formação, já que a presença dos alunos será confirmada por meio de assinatura, em livro. A implantação da biometria está sendo discutida com os centros de formação, uma vez que, no caso das aulas de direção, muitas vezes, os alunos não vão até a empresa, mas são pegos pelo instrutor em casa ou no trabalho, e a biometria exigiria sua presença no centro de formação. Uma opção alternativa é o registro da presença no próprio veículo, por meio de notebooks, dotados de GPS. Para o início do ano que vem, existe, ainda, a possibilidade de implantação de provas de direção à noite, a exemplo do que já acontece para os exames da categoria A (motocicletas).
SERVIÇO
A Resolução 347 está no site do Denatran (www.denatran.gov.br.). A lei é válida para primeira habilitação, adição e mudança de categoria. No caso da primeira habilitação, por exemplo, em que a carga horária mínima exigida é de 20 horas, quatro aulas terão que ser no período noturno.