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Financiamento - Números manipulados

Reportagem sobre técnicas de vendedores para iludir consumidor motiva diversas cartas à redação e origina contraponto discutido por especialistas em matemática financeira

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Mercado aquecido, confiança na economia do Brasil, juros cada vez mais baixos. Fatores que, combinados com a performance de um bom vendedor (a maioria das concessionárias usa argumentos possíveis e impossíveis para convencer o consumidor a optar pelo financiamento), são ingredientes perfeitos para uma decisão, muitas vezes, precipitada. Que as facilidades atualmente são muitas e vêm tornando possível a realização de um sonho, antes longe do alcance de muita gente, é fato; mas especialistas alertam para a manipulação de dados, que acabam induzindo a um financiamento mais longo ou, até mesmo, à troca da compra à vista pelo pagamento a prazo.

Em reportagem de 5 de setembro (disponível no Veja Também, no canto superior direito desta página), mostramos a força dos setores de F&I (finanças e seguros), que influenciam fortemente o fechamento de negócios nas concessionárias. Vendedores são treinados para iludir o consumidor, dizendo que vale mais a pena aplicar o dinheiro e financiar o carro do que comprar à vista. Na reportagem, um especialista em F&I dava o seguinte exemplo: "Suponha que você vá comprar um carro de R$ 45 mil. Se, em vez de pagar à vista, pegar esse dinheiro e aplicar a 0,7% ao mês, em 36 meses, terá R$ 57.846. Enquanto que, se financiar o carro, pagando juros de 1,4% e 36 prestações de R$ 1.599,90 (considerando-se que o dinheiro usado para pagar futuras prestações sairia do orçamento mensal do consumidor, ficando os R$ 45 mil intactos), no final terá pago R$ 57.596. O valor financiado está menor do que o conseguido na aplicação".

Tragicômico
Diante do exemplo, o professor de finanças do Ibmec Eduardo Senra Coutinho chega a rir da estratégia: "Primeiro, o raciocínio está errado, porque você não pode simplesmente pegar as parcelas e multiplicar, pois os juros são acumulados até o fim. E não leva em conta a quantia que o consumidor deixou de ter (os R$ 1.599,90 pagos todo mês) e poderia ser aplicada. Se você pagar o carro à vista, mas aplicar todo mês os R$ 1.599,90, a 0,7%, em 36 meses, no fim terá R$ 65.245,53, além do carro". O professor lembra que o valor representa 45% mais em relação ao preço do carro e dá outra sugestão: "Se o consumidor investir o dinheiro e esperar 36 meses para comprar o carro, vai pagar à vista e ainda sobra troco ou será que o preço do carro vai subir tanto"?

"A melhor opção seria investir na compra à vista do veículo e fazer poupança da possível parcela que o consumidor pagaria. Assim estaria evitando dívida a longo prazo e criando reserva, poupança, para seu uso", pondera o técnico de pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead), da UFMG, Eduardo Antunes, depois de também analisar o mesmo exemplo.

Sereia
Fazendo apologia ao sedutor canto das sereias, os também professores de finanças Gustavo Alves Tillmann eAntônio Lucena Benavenuto alertam para a manipulação dos números e acrescentam que, diante do argumento do financiador, seria interessante pensar que: "No banco você recebe R$ 7 para cada R$ 1 mil que mantém aplicado, enquanto no financiamento paga R$ 14 para cada R$ 1 mil que pega emprestado. Assim, ao optar pelo financiamento, você estará disposto a abrir mão de R$ 7 de cada R$1 mil do seu suado dinheiro para a financeira que o convenceu a optar pelo financiamento".

Voltando ao exemplo sedutor, eles vão além: "Se você resolvesse fazer retiradas mensais do recurso aplicado com taxa de 0,7%, para pagar as mensalidades do financiamento, ao final de 31 meses toda a aplicação já teria sido consumida, e no fim dos 36 meses estaria com o carnê em atraso por cinco meses e devendo cerca de R$ 7,4 mil, sem contar multas, encargos por atraso e o risco de ter o carro tomado pelo credor". Por fim, eles dão um conselho: "Lembre-se de que o dinheiro vale mais hoje do que amanhã. Logo, para o vendedor preferir receber o valor do veículo em parcelas, em vez de uma só vez, esteja certo de que ele estará cobrando uma boa compensação pelo financiamento. Além disso, comparações de resultados matemáticos podem ser sedutoramente manipuladas".

PARCELAMENTO
Concessionárias induzem clientes

Luiz Gomes - noturno71@hotmail.com
Muito oportuna a reportagem a respeito do interesse das revendas de veículos em empurrar vendas financiadas, publicada em 5 de setembro, pois temos notado que o preço financiado é até menor do que o preço à vista, o que seria um absurdo até há alguns anos. Contudo, no meu entender, ficou uma grande questão sem resposta: não refutou o argumento apresentado pelas revendas, de que é mais negócio aplicar o dinheiro e pagar as prestações. Afinal, é ou não é negócio? Pela conta das revendas, parece ser vantajoso, mas parece claro que está presente aí uma falácia matemática.

Bruno Sousa Macedo - Belo Horizonte
Interessante a reportagem a respeito do financiamento. Muitos compradores devem estar sendo ludibriados com o papo desses vendedores. Só faltou usar um exemplo de como seria se o comprador fizesse a compra à vista. De acordo com a análise que induz ao financiamento, uma pessoa com R$ 45 mil disponíveis para comprar um carro à vista e renda extra mensal para pagar parcelas de R$ 1.599,90 deveria aplicar o dinheiro e financiar o carro. Mas o que não disseram é que bastaria a pessoa pegar o dinheiro mensal que gastaria com as parcelas do financiamento, R$ 1.599,90, e depositar na poupança, durante 36 meses (juros de 0,7%), para, no final ter um saldo de R$ 65.245,53. Considerando a depreciação do veículo, também citada na reportagem pela pessoa que pretende induzir ao financiamento, de R$ 27 mil, o consumidor que pagasse à vista teria, no fim de três anos, um patrimônio de R$ 92.245,53 (veículo de R$ 27 mil + R$ 65.245,53), diferentemente do que tenta pregar o vendedor. O triste é saber que há pessoas que acreditam que é melhor pagar juros de 1,4%, com o capital rendendo apenas 0,7%.

Mauro Martins - mmc.mg@hotmail.com
A reportagem despertaria maior interesse se abordasse o assunto de forma mais explícita, pois falar somente da indução dos vendedores aos clientes para financiar não mostra o que está por trás. É pratica desse setor pagar volumosas comissões aos vendedores e revendas, criadas por empresas financeiras e muito bem recebidas pelas concessionárias. Esses valores chegam em alguns casos a até 20% do valor financiado. Quando calculam o valor da prestação, ali já está embutida a comissão que é paga à vista a quem fez a venda. Para quem conhece matemática financeira é fácil perceber: na determinação do fator pelo qual será multiplicado o valor financiado, utiliza-se como PV=1,20 em vez de PV=1, ou seja, a taxa do financiamento é fixa, mas o valor financiado é imediatamente acrescido em 20%. É uma covardia, acredito que o Banco Central não concorda com essa prática...