No ano em que o Brasil lança o Pacto Nacional pela Redução de Acidentes no Trânsito, em resposta à Organização das Nações Unidas (ONU), que proclamou o período de 2011 a 2020 como a “Década de Ações para a Segurança no Trânsito”, pouca mobilização (ou nenhuma) se viu em relação à melhoria das condições oferecidas pelas rodovias federais, com pedágio ou não. Para a sexta reportagem da série que apontou sérios problemas nos muros de proteção que dividem as pistas de rodovias como as BRs 381, 262 e 040, além do Anel Rodoviário, e obstáculos que não só tiram sua função de proteção como agravam os acidentes (reportagens publicadas nas edições de 26 e 30 de novembro; 3, 7 e 10 de dezembro), o caderno Vrum voltou a ouvir alguns dos especialistas que participaram da série e pediu que apontassem soluções.
REVISÃO DOS PROJETOS
Para o engenheiro civil e de segurança e professor do Cefet-MG Santelmo Xavier Filho, é preciso que se faça uma revisão de segurança dos projetos das rodovias; seus construtores devem se modernizar, adotando normas adesivas como as ISO 9000, ISO 14001 e OHSAS 18001; e é preciso uma política para a construção de vias seguras que atendam as necessidades do Brasil e não do governo.
Santelmo lembra que a velocidade dos veículos aumentou muito, assim como as dimensões, mas as rodovias não foram modernizadas. São muito antigas, feitas para outro fluxo. “Fazem recapeamento tapa-buraco que não adianta e os muros não atendem a padronização. Deveriam estar também livres de obstáculos, pois primeiro o carro encontra o obstáculo para só depois chegar à barreira que deveria salvar sua vida e a de terceiros, mas já é tarde. Em muitas das situações mostradas nas reportagens, tive a impressão de que o objetivo era proteger um poste e não o carro. É ideal que a população exerça seu direito de entrar na Justiça e cobrar do governo ações coerentes”, diz. “Não há, no Brasil, a consciência de que os acidentes poderiam ser evitados se os projetos fossem benfeitos. As pessoas não reclamam, mas, com o tempo, isso virá”, acrescenta.
NOVAS TECNOLOGIAS
O engenheiro de segurança rodoviária Eduardo Tondato pondera que nos órgãos governamentais responsáveis pelas rodovias há pessoas competentes, mas muitas vezes sem autonomia. Além disso, grande parte das vias são fruto de projetos muito antigos. “É preciso solicitar aos órgãos competentes que deem maior atenção à segurança viária. Hoje há novas tecnologias, novos métodos construtivos. E isso deve ser usado nas construções. Devem ser atualizados os sistemas de drenagem e escoamento de água; os dispositivos de segurança e contenção viária devem ser resistentes, mais bem elaborados, para que possamos atingir os objetivos de preservar vidas humanas”, finaliza.
AGÊNCIAS INDEPENDENTES
Já o engenheiro mecânico Décio Luiz Assaf, membro do Comitê de Segurança Veicular da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil), acredita que, a longo prazo, a solução seria a criação de uma agência técnica governamental de segurança no trânsito independente, para controlar e fiscalizar as rodovias, incluindo o cumprimento de normas técnicas para sua construção e reparos. “Mas essa agência teria que ser administrada por pessoal técnico e apolítica. As normas já existem, mas há necessidade de haver um controle de seu cumprimento e isso tem que ser feito por órgão sem ingerência política”, enfatiza.
A curto prazo, o engenheiro afirma que devem ser verificados os contratos assinados com as empresas de construção ou reparos de rodovias e fiscalizada sua execução: “Com certeza, deve estar previsto o cumprimento das normas do próprio Dnit (veja Dnit 109/2009 – PRO), que descrevem como devem ser construídas as barreiras. Deve ser feita uma verificação completa de suas dimensões, resistência etc.”.
ENTREVISTA
Rogério Mateus - instrutor de direção defensiva
“Não estou protegendo os infratores”
O instrutor de direção defensiva da ALC Treinamento Rogério Mateus foi o responsável pelo início desta série, a partir do momento em que procurou a reportagem, preocupado com a (não) efetividade dos muros de proteção do Anel Rodoviário. Na companhia da equipe de reportagem do caderno Vrum, ele percorreu vários trechos do anel e de outros rodovias, apontando pontos críticos, que considera agravantes de um acidente.
Você enfatiza que o motorista não é o culpado pela maioria dos acidentes...
Quando digo que na maioria dos acidentes a culpa não é do motorista, não estou considerando aqueles que dirigem em excesso de velocidade, alcoolizados ou drogados, pois isso já é bastante discutido. Falo daqueles motoristas que por uma falta de sorte – chuva, neblina, desvio de algum animal na pista – perdem o controle e caem numa destas armadilhas de nossas rodovias.
Por exemplo?
Há poucos dias, observei, na BR-381, sentido São Paulo, um buraco de 1 metro de profundidade, e para cair nele basta descuidar e sair da pista na distância de um palmo. Outro problema são as canaletas próximas aos muros de proteção. Num descuido, o motorista cai na canaleta, o acidente pode ser fatal, e depois vão falar que estava em excesso de velocidade. Sem mencionar os próprios muros, que induzem o carro a subir demais. Era para ser um acidente, mas não precisava virar tragédia. Outra coisa são as pontas de guard-rail sem manutenção: se o motorista bate, essa ponta entra no carro como uma lâmina afiada e pode ser fatal.
Que sugestão você daria aos órgãos públicos?
Que buscassem pessoal especializado da engenharia esportiva. Pessoas que trabalham com corridas de automóveis estão habituadas com colisões. Os muros de proteção numa corrida de stock car, por exemplo, são bem diferentes. São retos e não jogam o carro para cima. Quando bate, vai arrastando até parar. Veja, não estou falando de proteger os infratores, mas de minimizar os efeitos de algo que pode acontecer com qualquer um, depois de perder o controle da direção.
SAIBA MAIS - Dnit 109/2009 – PRO
A norma Dnit 109/2009 – PRO substituiu a antiga DNER PRO 176/1994 e estabelece como devem ser construídas as barreiras de concreto. A norma especifica o uso das chamadas barreiras New Jersey ou F (abordadas em reportagem do último sábado), que devem seguir um padrão composto por três planos: guia – plano vertical ou uma espécie de pequeno dente existente na base inferior da barreira, com altura de 7,5cm; rampa – parte inclinada com ângulo de 55 graus a horizontal para facilitar o deslizamento do veículo e seu retorno à pista; e mureta, o plano inclinado superior, com ângulo de 84 graus a horizontal. A diferença principal entre os dois tipos de barreira (New Jersey ou F) está na altura nominal da rampa e de sua parte superior tecnicamente chamada de mureta, mas o uso de ambas é permitido pela norma. No entanto, é clara a exigência de uma padronização – o que não acontece nas rodovias pesquisadas pela reportagem –, assim como a necessidade de se evitar obstáculos como caixas de concreto em plena mureta, como já mostrado. “As novas rodovias e/ou os reparos, desde 1994, deveriam estar seguindo esses padrões e, assim, todos os problemas apontados até agora não deveriam existir”, conclui o especialista Décio Assaf.