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Entrevista/Flávio Emir Adura - Médicos precisam de prazo

Presidente da Abramet fala sobre o que muda no exame de renovação ou primeira habilitação

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Flávio Adura: Resolução 267 do Contran representa avanço

Publicada no fim de fevereiro, a Resolução 267, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), estabeleceu novas regras para o exame médico de renovação da carteira e primeira habilitação e provocou muita polêmica. A principal discussão é sobre a exigência de diagnóstico de indícios de apnéia (parada de respiração) durante o sono. Uma exigência para motoristas habilitados ou candidatos a se habilitar nas categorias C, D e E. Entre os questionamentos estão a dificuldade de fazer exames - no caso de indícios da doença - pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e o fato de a maioria dos acidentes ser causada não por doenças como a apnéia, mas por falta de sono. Discussões à parte, a resolução é bem mais ampla e faz mudanças na avaliação oftalmológica, cardiológica e neurológica, entre outras coisas, para todos os motoristas habilitados de A a E. Para o presidente da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), Flávio Emir Adura, a resolução é um avanço, mas os médicos precisam de prazo para se adequar às novas regras, o que já foi solicitado ao Contran.

Como a Abramet classifica a nova resolução?
É um avanço. Contempla aperfeiçoamento do exame anterior e vai propiciar aos médicos uma verificação mais minuciosa, com critérios para aprovar ou não o candidato, e afastar quem tem determinada doença, que põe em risco a direção segura. Essa resolução foi discutida durante oito anos em câmara temática do Contran. O tema foi muito debatido e a Abramet participou das discussões. Mas é um voto entre tantos. Algumas sugestões foram aceitas; outras, não. Vou abordar alguns pontos importantes. O exame terá início com um questionário, que já existia, mas será aperfeiçoado, com 10 perguntas sobre o estado de saúde do motorista, doenças pré-existentes, cirurgias, hábito de ingerir álcool etc. E o candidato assina o que respondeu, podendo ser responsabilizado, se prestar falsas informações.

A resolução tem mudanças inclusive na parte oftalmológica, com exigências menores, não é isso?
Sim. Há mudanças em índices que estavam ultrapassados, como nas exigências de acuidade visual, que realmente são menores, mas seguem tendências de legislações internacionais. Também não será mais exigida a tabela de Ishihara, para avaliação de daltônicos. Deles, será cobrada apenas a distinção entre as cores verde, vermelho e amarelo. Já no que diz respeito à audição - que também já era avaliada pela Resolução 80, agora revogada -, foram definidos critérios. Antes, cada médico fazia de um jeito, observando a audição do candidato, durante conversa. Agora, foi padronizado, com o estabelecimento da distância de 2m, pronunciamento de palavras dissílabas, sem a possibilidade de leitura labial. Se o médico perceber dificuldade de entendimento, pede uma audiometria. Será encaminhado a um especialista e esse exame é coberto pelo SUS.

A avaliação de doenças do coração também será cobrada?
É outra coisa que já era mencionada, mas não havia explicação sobre a conduta a usar e em que situação. Por exemplo, como agir diante de um candidato com ponte de safena? Não havia um parâmetro. Agora há: pode ser aprovado, desde que três meses depois da cirurgia e se o exame estiver normal. Procedimento semelhante haverá para outros problemas de coração. O mesmo ocorre em relação às doenças neurológicas. Não havia um critério para tratar pacientes com epilepsia, por exemplo. E, muitas vezes, a pessoa tem o problema, mas as crises estão controladas. Mas, antes, não podia se habilitar. Hoje, se tiver um relatório em que conste que não sofre crise há mais de um ano, poderá se habilitar na categoria B, porém com prazo de validade reduzido. Outro exemplo são os portadores de deficiência. Já estava previsto que podem dirigir, mas não eram contempladas todas as situações. Agora, estão previstos quase todos os tipos de deficiência e adaptações necessárias no veículo. E o médico tem que estar informado sobre tudo. Os novos médicos terão que se especializar em medicina do tráfego.

Mas esse curso já não era necessário?
Sim, mas era permitido ao profissional se capacitar, fazendo um curso de 120 horas. Hoje, quem já está no ramo pode continuar trabalhando, mas os novos terão que se especializar. E será uma especialização como qualquer outra da medicina. Ou o médico faz residência em medicina do tráfego ou curso de pós-graduação ou prova de especialista em medicina do tráfego.

Na polêmica dos distúrbios do sono, quais os prós e os contras?
Importantes dados internacionais indicam que de 20% a 30% dos acidentes são causados por sono. O exame será cobrado apenas para habilitados ou candidatos à habilitação C, D e E. Acho que também deveria ser cobrado para carteiras A e B, como os demais quesitos. Seria importante que todos fizessem. Mas, se formos considerar que motoristas de caminhões e ônibus dirigem 3 mil horas por ano, enquanto os portadores de carteira A e B dirigem 250, fica condizente. Outra questão é que os distúrbios relativos ao sono são muitos, mais de 100. E a resolução se preocupa, em especial, somente com a apnéia do sono. Mas a maior causa dos acidentes, de 20% a 30%, é a privação do sono e não a apnéia.

E o exame que detecta a apnéia não é caro?
Isso é o que as pessoas não estão entendendo. O exame inicial não tem nenhum custo a mais. Será feito na mesma consulta que analisará tudo o que já comentamos, pelo preço do exame médico da renovação ou primeira habilitação. E esse exame pode diagnosticar alguns indícios de apnéia, em sinais como pressão elevada, relação entre peso e altura, circunferência do pescoço, obstrução na cavidade oral. Enfim, conforme o resultado, pode haver indícios de apnéia. Somente se houver esses indícios é que o paciente será encaminhado a um exame de polissonografia. Esse é que o SUS não cobre, pelo menos não em todo o território nacional. E é caro, se o candidato for pagar. Com relação aos convênios, alguns devem cobrir, mas a grande maioria dos candidatos ainda depende do SUS. E outra preocupação é que, se a pessoa demorar muito para fazer o exame, pode haver alteração do resultado e dar normal, gerando um problema pela não-aprovação inicial. Se não der normal, gera outro problema, pois o candidato, sem a carteira, não terá como trabalhar. Estará doente e desempregado.

Se existem mais de 100 distúrbios relativos ao sono, diagnosticar somente a apnéia não é pouco?
A questão é que, pela importância do sono e o alto risco desse tipo de doença, o procedimento para diagnosticá-la é simples, por isso a especificação. E é importante para o próprio paciente. Mas é claro que não vai resolver a totalidade de acidentes por sono. A narcolepsia, por exemplo, que é uma vontade irresistível de dormir, que faz a pessoa pegar no sono em qualquer lugar, não é detectada pelo exame. E é mais grave.

Além da privação do sono, enfrentada por motoristas profissionais, que viram dia e noite na estrada?
Pois é, a principal causa de acidentes é a privação do sono. E sono só se recupera com sono, mas nunca ao volante. A Abramet pediu ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) que adie a entrada em vigor da resolução (embora teoricamente já esteja vigorando desde a publicação), para que haja maior tempo para adaptação e para os médicos serem informados. A Abramet, inclusive, está fazendo essa preparação de profissionais. A previsão é de capacitação de 8 mil médicos.

Então o exame realizado hoje ainda não está de acordo com a resolução?
Não. Há necessidade de os médicos se capacitarem. E os Detrans também têm que se adaptar, pois muita coisa vai mudar nas carteiras, além do próprio formulário do Registro Nacional de Condutores Habilitados (Renach), destinado à coleta de dados dos candidatos, determinado pela resolução, que ainda não está sendo usado. A resolução não tem como vigorar de imediato.

Voltando aos custos, toda essa mudança no exame demandará mais tempo do profissional e menos candidatos poderão ser atendidos por dia. Isso não fará com que a taxa do exame seja alta?
Acho que não vai haver esse impedimento de atender muitos candidatos. No que diz respeito à aparelhagem, será exigida a balança antropométrica, para peso e altura, mas, em compensação, não haverá mais a tabela de Ishihara, que é bem mais cara. Os demais exames serão simultâneos: visão, audição, neurológico etc. Não tomará tanto tempo a mais. Isso aconteceria se cada processo fosse realizado de uma vez. Mas os procedimentos estão bem estabelecidos. E o tempo gasto vai depender de cada profissional. Inclusive, de tanto que fomos indagados sobre isso, o Conselho Federal de Medicina procurou uma resposta. Mas a conclusão foi que nenhum procedimento médico pode ser cronometrado. O tempo ideal é o necessário para o bom procedimento. Se forem 10 ou 40 minutos, esse tempo será aceito. O que posso dizer é que não demandará muito tempo, pois a maioria dos candidatos está apta a dirigir. Só quando aparece alguma patologia, o exame é mais demorado.