Médicos e psicólogos têm dificuldades em trabalhar na área de medicina do tráfego, em Minas, enquanto motoristas enfrentam filas para fazer exames médico e psicológico para tirar ou renovar a carteira de habilitação, principalmente no interior. Segundo o presidente do departamento de Medicina do Tráfego da Associação Médica de Minas Gerais, José Elísio Corrêa Lima, há apenas oito clínicas aptas para o serviço em Belo Horizonte, e 90 no resto do estado. O serviço é decorrente de licitação realizada em 1997, a última, de acordo com Lima, que chefiava a Divisão Médica e Psicológica do Detran-MG, na época. Além de não ter ocorrido nova licitação, o médico aponta uma irregularidade: a licitação de 1997 foi feira com base na Resolução 6.009 da Secretaria de Estado da Segurança Pública, que teria perdido o valor com a entrada em vigor da Lei de Licitações (8.666), de 1993.
“Há nove anos, o número de clínicas é o mesmo. A última licitação foi em 1997 e não houve acréscimo no serviço. O resultado são clínicas abarrotadas e atendimento precário”, ressalta Lima. O médico, que trabalhou 20 anos no Detran, diz que desde sua época o serviço era precário e ele já vinha lutando para melhorar o atendimento. Em 1998, chegou a ser elaborada resolução para substituir a 6.009 e dar origem a outra licitação, mas ela não virou lei: “Na época, descobriu-se que a 6.009 tinha como base uma lei de licitações anterior à 8.666 e, portanto, estava ‘caduca’. Fizemos outra resolução nos moldes da 8.666. Mas ninguém se interessou em colocá-la em vigor”.
O delegado Adilson Águido, chefe do Serviço de Habilitação do Detran-MG, lembra que a Resolução 6.009 é de janeiro de 1994, portanto, posterior à Lei de Licitações (de 1993). Mesmo assim, reconhece que, a partir da licitação de 1997, sua validade começou a ser questionada: “Houve muita demanda judicial, buscando suspender a licitação das clínicas. Então, foram suspensos os processos de credenciamento. E desde julho de 1997 não houve mais”. Para regularizar a situação das clínicas, então licitadas, – que atuam até hoje – foi elaborada a Resolução 6.568, em fevereiro de 2002, também da Secretaria de Segurança Pública, que substituiu a 6.009 e referendou a existência das clínicas.
Tentativa
O delegado acrescenta que, em 2003, o então chefe do Detran-MG, José Antônio de Moraes, tentou, na Assembléia Legislativa, a elaboração de um projeto de lei. “Com uma lei estadual, o Detran estaria melhor amparado para evitar questionamentos sobre outras licitações, porque esta nova resolução (6.568) é um pouco frágil, não tem a mesmo força que teria uma lei estadual”, ressalta Águido, lembrando que não houve sucesso na tentativa de elaboração do tal projeto de lei. Ele confirma a existência de apenas oito clínicas na capital e avalia que cada uma atende cerca de 100 pessoas por dia. Mas afirma que nada impede novas contratações. “As clínicas não estão limitadas. Podem aumentar sua capacidade física e de pessoal”, diz. No interior, porém, o delegado reconhece que o atendimento é deficitário: “Em algumas cidades, nem há clínicas. Entendo que deveriam autorizar a abertura de novos estabelecimentos”.
Lei
O advogado Bruno Augusto Loureiro Leandro, especialista em licitações, entende que houve equívocos na licitação de 1997. Explica que é preciso constatar se, de fato, as clínicas estão enquadradas na prestação de serviço público: “Quando se fala em serviço público, o modelo usado tem que ser permissão ou concessão. É o caso de transporte público, água, luz etc. Se as clínicas estão enquadradas em serviço público é uma questão de interpretação”. Mas, se assim for entendido (é o que consta na Resolução 6.009, que deu origem à licitação de 1997), não poderia ter sido feito por ato administrativo, ou seja, ou por mera resolução. “Teria que ter sido feito com base em lei estadual, que seguisse a lei 8.987/95, que dispõe sobre concessões e permissões de maneira geral, aplicando-se também a 8.666 (de licitações)”, diz. A modalidade empregada, conforme a lei, seria a de concorrência.
Para regularizar a situação atual, ele explica que há dois caminhos: ou não se considera a prestação das clínicas como serviço público e faz-se uma licitação com base na Lei 8.666; ou cria-se, conforme pretende o Detran, uma lei estadual, que siga as leis 8.987 e 8.666, e, da mesma forma, faz-se nova licitação.